Nasceu na Guiné-Bissau, e muito nova começou a mostrar interesse pelo empreendedorismo. Aos 7 anos, Maria Munira Jauad Ribeiro já confeccionava roupa íntima para senhoras e vendia na loja do seu pai, que lhe dava os tecidos de rendas e elásticos para confecção da mesma, sendo que, depois das vendas, Munira ajustava as contas com os seu pai, iniciando assim o caminho para a conquista da sua autonomia financeira.
Entretanto, quis o destino que, aos 14 anos, a empreendedora perdesse o pai. Com a morte do progenitor, viu-se obrigada a assumir outras responsabilidades, na qualidade de primogénita, e auxiliar a sua mãe na educação dos irmãos mais novos.
“Vivi uma juventude muito limitada, porque tinha a responsabilidade de cuidar dos meus irmãos e da casa. Com a independência do meu país, tive a oportunidade de sair em busca de novos horizontes e de conhecimento. Foi assim que parti para Cuba, onde me licenciei em Economia e fiz uma especialização em Comércio Internacional”, conta à Forbes África Lusófona.
No regresso à Guiné-Bissau, Maria Munira Jauad Ribeiro ingressou no quadro de colaboradores do Ministério do Comércio, onde trabalhou entre 1983 e 1995, ano em que tomou a decisão de deixar a administração pública para se focar no sector privado, onde criou a sua própria empresa, a RUIM SARL, respondendo assim aos anseios empresariais que sempre teve. “Foi como um retorno às origens”, considera.
Isto, diz, aconteceu nos anos 90, altura em que a Guiné-Bissau começou a conhecer profundas reformas políticas e económicas, com a administração pública a solicitar a saída voluntária de quadros para o sector privado, oportunidade aproveitada pela jovem para investir na agro-indústria, que já era um negócio familiar antes da independência do país. Munira Jauad, como é mais conhecida, enveredou para o mundo das commodities, especificamente na exportação de castanha de caju, tornando-se na primeira mulher guineense nesse sector que a mesma diz ser duro para trabalhar.
“Mas tive a trágica situação, logo em 1998,do flagelo da guerra civil que abalou o meu país, Guiné-Bissau, e destruiu completamente a classe empresarial. Não fugi à regra de ter perdido tudo o que consegui nos anos das vacas gordas, anos de apogeu e sucesso, em que ingressei nas fileiras da AJEC – Associação de Jovens Empresários Exportadores de Castanha de Caju”, recorda com emoção.
A ânsia de dar continuidade ao negócio, que um dia foi familiar, tomou conta da empresária, que se dedicou essencialmente às commodities e passou a importar arroz, açúcar, óleo alimentar, farinha de trigo, congelados, entre outros bens essenciais ao consumo das populações, ao mesmo tempo que passou a comercializar e a exportar castanha de caju (cashews nuts), que já à época era o principal produto de exportação do país.
“Quando entrei neste sector, foi com o objectivo de dar mais impacto ao produto, ou seja, entrar no mundo da industrialização, que, como sabem, tem uma mais-valia. Só para ter uma ideia, uma tonelada de caju bruto ou in natura custa mais ou menos 1 300 dólares, e quando transformado pode custar até 10 000 dólares”, indica.
Segundo explica a empresária, o negócio da castanha de caju requer muitas verbas, o que a levou várias vezes a recorrer à banca comercial para se financiar e alavancar o seu negócio, tendo chegado a atingir valores superiores a 3 milhões de dólares. Nesta actividade, que é sazonal, a empreendedora chegou a empregar mais de 200 trabalhadores.
Exportação é difícil
Apesar de ter vários mercados para exportação, como Índia, China, Vietname, Paquistão, Brasil, Países Baixos e Inglaterra, Munira considera que a exportação de caju “tem sido impossível”.
Por outro lado, realça que as exportações variam de ano para ano. O máximo que a empresária já chegou a exportar num ano foram 4000 toneladas, uma quantidade que, diz, “já é muito boa” para o tipo de negócio e para a dimensão da sua empresa.
“O mundo de exportação de caju está cada vez mais complicado, senão impossível. Temos tido vários problemas que bloqueiam o sector, nomeadamente a falta de políticas específicas, e também o factor externo não é dos melhores. Faltam navios para escoar o produto, assim como as cargas fiscais, cada vez mais pesadas, não deixam que o sector se desenvolva adequadamente”, aponta. No ‘pacote’, a empresária inclui ainda “a falta de uma política do Governo, a curto e médio termo, para a industrialização do caju”, o que, refere, “rouba grandes oportunidades à economia nacional, empresarial e, em última instância, ao mercado de emprego da mão-de-obra juvenil, que tanto precisa”.
Diante dos vários impasses, a empresária tem equacionado deixar de investir neste sector de actividade caso não haja uma intervenção urgente por parte do Governo para melhorar o ambiente de negócios. “Estamos em crer que a médio termo não haverá empresários nacionais neste sector, o que seria lamentável. São vários factores, a concorrência é desleal, e numa moldura dessas ninguém consegue sobreviver. São muitos constrangimentos que não são bem tratados e que penalizam o sector”, sublinha.
Em meio às incertezas no mercado internacional, Munira começa a ter o imobiliário como a sua nova aposta. “O mundo do imobiliário, a meu ver, é mais pacífico e, também, como a minha empresa é de matriz familiar e os filhos não estão muito engajados neste tipo de negócio de alto risco, estou a ver que mais cedo ou tarde terei de deixar o sector do caju. As forças já não são as mesmas. É um negócio muito duro e não fácil de fazer”, diz.
Para 2024, são vários os projectos que tem em carteira, entre eles a construção de infra-estruturas próprias para a sua escola de saúde e imobiliário, com componente turística, existente há mais de 30 anos e que faz parte da ONG Djissiino. “Já tenho o meu primeiro espaço arrendado, e agora terei uma escola com condições próprias e construída de raiz, graças ao apoio do Governo da China. Posso avançar que a escola vai ser de saúde e imobiliário, com algum componente turístico. A minha vida como empresária vai bem e de forma sossegada, e as expectativas para o ano 2024 são promissoras. Somos mulheres de negócios e estamos sempre disponíveis a abraçar as oportunidades que se nos apresentam”, realça.
“Estamos em crer que a médio termo não haverá empresários nacionais neste sector, o que seria lamentável. São vários factores, a concorrência é desleal, e numa moldura dessas ninguém consegue sobreviver. São muitos constrangimentos que não são bem tratados e que penalizam o sector”
Há mais de 45 anos no mundo dos negócios, Munira Jauad prevê continuar a trabalhar, embora de forma mais equacionada. “As ideias de diversificação estão presentes, e também pensamos no negócio regional e a nível da CPLP, que, aliás, já fazemos há algum tempo com Portugal. Tentámos algumas oportunidades com Angola, mas ainda não surtiram os efeitos desejados”, avança.
Apesar dos anos de experiência empresarial que carrega, a guineense define-se como uma “empresária humilde e uma mulher muito simples”. “Sou apenas um exemplo de sacrifício que atingiu um bom patamar no mundo de negócios, particularmente na área do caju, onde sou mimada pela camada feminina como um exemplo a seguir, o que me faz ter maiores responsabilidades sociais, pensando e repensando cada acto da minha vida porque o meu lema é: ‘temos de ser honestos, trabalhadores e exigentes connosco mesmos’, aliás, só um trabalho honesto dignifica o homem”, considera.
A empresária das castanhas, como também é chamada entre os guineenses, reconhece, no entanto, que durante o seu percurso profissional cometeu erros que podia evitar. “Não fui inteligente o suficiente para articular o trabalho e o casamento, e isso custou-me ter perdido a minha família. Mas são erros do percurso, e nada pude fazer”, lamenta.
Em paralelo com a actividade empresarial, Maria Munira Jauad Ribeiro dedica-se ao associativismo, sendo que preside a REMOE|GB|UEMOA, uma organização sub-regional pertença aos países da África Ocidental que têm como moeda única o CFA. A organização é uma rede de mulheres empresariais e empreendedoras “que tem como objectivo agrupar associações e mulheres que actuam no domínio económico, ajudando as mesmas para o seu crescimento económico, dando suportes sólidos nos domínios do network, participação em eventos nacionais e internacionais, formação e capacitação, organização de negócios e na procura de parceiros para os projectos de desenvolvimento.
“Esta organização é membro da Confederação Empresarial da CPLP, pilar económico da organização política criada pelos países de língua oficial portuguesa, e como membro dessa organização criamos outras organizações, tais como a União de Exportadores da CPLP, União de Bancos , Jovens Empresários, assim como a Federação de Mulheres Empresariais e Empreendedoras (FME) da CPLP, organização essa que foi criada pela necessidade de continuar a valorizar o contributo das mulheres no desenvolvimento socioeconómico dos nossos países”, conta.
Segundo explica, os objetivos da ROMOE e da FME coincidem no que respeita ao empoderamento económico da mulher e sua autonomia financeira para realizar actividades em prol da valorização da mulher nos vários sectores da vida económica, a fim de permitir alcançar os objectivos das mesmas.
Nas organizações que a empresária dirige, umas das grandes dificuldades que as mulheres apresentam é o escasso acesso às oportunidades e ao crédito bancário, por falta de garantias.
Além do mundo empresarial, Munira Jauad teve uma passagem pela vida política, tendo sido a primeira secretária de Estado com equiparação a ministra dos Negócios Estrangeiros, cargo exercido numa fase muito crucial na política interna do seu país, tendo saído das funções depois de um golpe de Estado. “Nos anos 2006 voltei a ocupar uma função, para mim a mais difícil, que é ser embaixadora de um país pobre, que é a Gâmbia. Também estive na política activa e fiz parte, na época, do terceiro maior partido, o PND, onde desempenhei o cargo de primeira-vice-presidente”, recorda.
Embora considere dura a experiência política, Munira reconhece que lhe permitiu conhecer o país que a viu nascer. “Esta experiência provou-me que ainda há muito por se fazer. Temos de trabalhar com honestidade, perseverança e determinação para o bem dos mais necessitados, com os quais devemos ter uma responsabilidade acrescida”, apela.
Um percurso diversificado
Munira Jauad Ribeiro, nascida em Bissau, é economista com especialização em Comércio Internacional em Havana (Cuba), e possui diploma de Estudos Superiores em Gestão Bancária pelo Instituto de Formação Bancária de Lisboa (Portugal).
Do seu currículo consta também formação em Direito Contratual Internacional, sendo também formadora em Microfinanças. O seu vasto percurso inclui o cargo de secretária de Estado da Cooperação Internacional, em 2003, e depois ministra delegada na UEMOA. Foi também embaixadora extraordinária e plenipotenciária da Guiné-Bissau na República da Gâmbia e vice-presidente da Associação de Mulheres para as Actividades Económicas.