“Moçambique pode tornar-se um líder no sector do gás”

Há cerca de um ano e meio no mapa mundial de exportadores de gás natural liquefeito (GNL), Moçambique, através do consórcio liderado pela empresa italiana Eni, dá o seu contributo para a crescente procura energética. A CEO da Eni Rovuma Basin explica que todo o gás produzido já foi comprado pela BP Poseidon Ltd., uma…
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Em entrevista à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, Marica Calabrese, Managing Director da ENI Rovuma Basin, abre o livro para contar a história do projecto e os planos para o futuro.
Economia Negócios

Há cerca de um ano e meio no mapa mundial de exportadores de gás natural liquefeito (GNL), Moçambique, através do consórcio liderado pela empresa italiana Eni, dá o seu contributo para a crescente procura energética. A CEO da Eni Rovuma Basin explica que todo o gás produzido já foi comprado pela BP Poseidon Ltd., uma empresa totalmente controlada pela BP Plc. De 2016-2023, o consórcio diz ter criado negócio para as empresas locais no valor aproximado de 750 milhões de dólares. Actualmente, estão envolvidas mais de 30 nacionalidades no projecto que emprega acima de 500 pessoas.

O consórcio liderado pela Eni exporta gás natural liquefeito (GNL) da bacia do Rovuma desde Novembro de 2022. Desde então, que avaliação a empresa faz em termos de níveis de produção e vendas?

O projecto Coral Sul está a produzir GNL de forma estável e com uma capacidade nominal de 3,4 MTPA – milhões de toneladas por ano. Até à data, foram efectuados cerca de 50 carregamentos de GNL e 7 de condensados. Estes números mostram que o Coral Sul continua a quebrar recordes, com a sua engenharia de ponta, tempo recorde de colocação no mercado e operação impecável. É um projecto que deixa a Eni muito orgulhosa, e que foi possível graças às elevadas competências de pesquisa e execução de projectos da Eni, o apoio dos nossos diferentes stakeholders, bem como o empenho de um conjunto de parceiros.

O Coral Sul é um projecto de referência na produção de gás natural liquefeito a nível mundial. Qual tem sido a sua contribuição para as necessidades globais de fornecimento de energia?

O projecto Coral Sul é um divisor de águas para Moçambique, pois coloca o país no pequeno clube de exportadores de GNL, com um potencial bastante significativo para impulsionar a sua economia, desenvolvimento social e oportunidades de emprego. Este projecto abriu as portas para o desenvolvimento das vastas reservas de gás existentes e demonstrou que Moçambique pode crescer rapidamente para se tornar um líder no sector do gás. O projecto Coral Sul é o primeiro do género em águas ultraprofundas a nível mundial. O Coral Sul FLNG é a quarta maior FLNG alguma vez construída, a segunda em termos de capacidade de produção de GNL e dimensão. É a primeira FLNG construída de raiz desta dimensão no continente africano, o primeiro projecto offshore de petróleo e gás em Moçambique e a primeira FLNG construída através do mecanismo project finance.

É, no fundo, um marco…

O Coral Sul é um marco para toda a indústria do gás, uma vez que representa uma nova referência para futuros desenvolvimentos de FLNG e não poderia ter iniciado as operações em melhor altura, dado que os principais consumidores de gás procuram novas fontes de energia para sustentar a sua segurança energética. O projecto demonstrou mais uma vez as credenciais da Eni para a execução de projectos dentro do prazo e orçamento e reavivou a confiança da indústria na viabilidade da execução de projectos de FLNG desta escala e complexidade.

Quando se fala da indústria extractiva em Moçambique, o conteúdo local tem sido amplamente discutido. Qual é a relação entre o projeto Coral Sul e as empresas nacionais em termos de volume de negócios resultante dos serviços prestados?

Em todos os seus contextos operacionais em todo o mundo, a Eni esforça-se em maximizar o conteúdo local, desenvolvendo a força de trabalho, a indústria e a tecnologia locais, bem como apoiar as comunidades locais na melhoria das suas condições de vida. A abordagem da Eni centra-se na transferência de competências e conhecimentos através de programas de formação e desenvolvimento, particularmente em energia e inovação tecnológica; desenvolvimento comunitário para promover o crescimento e a diversificação económica bem como o envolvimento das empresas locais para aumentar o seu nível de competitividade e melhorar a sua capacidade de apoiar as actividades da Eni. A contribuição do conteúdo local não inclui apenas a parte dos contratos adjudicados a fornecedores locais, mas também a percentagem de conteúdo local declarada em todos os contratos, bem como a contribuição do conteúdo local dos fornecedores internacionais. A nossa contribuição para o período 2016-2023 foi de aproximadamente 750 milhões de dólares norte-americanos graças ao projecto Coral Sul.

“O Coral Sul é um marco para toda a indústria do gás, uma vez que representa uma nova referência para futuros desenvolvimentos de FLNG e não poderia ter iniciado as operações em melhor altura”

Quais são as principais necessidades do projecto Coral Sul em termos de mão-de-obra actualmente e qual tem sido a capacidade de resposta local?

Para a Eni, o desenvolvimento da força de trabalho é uma prioridade. Todo o pessoal tem estado envolvido em programas intensivos de formação e capacitação no país e no estrangeiro. A cooperação com as universidades técnicas locais, bem como com as instituições internacionais que oferecem cursos de mestrado a jovens talentos moçambicanos, também contribui para reforçar a capacidade de desenvolvimento do nosso pessoal. Tudo isto é uma actividade contínua com o objectivo de fazer com que os nacionais assumam gradualmente as posições de liderança do projecto (plano de nacionalização).

Projectos como o Coral Sul requerem uma mão-de-obra altamente qualificada. Actualmente, qual é a composição da força de trabalho nos projectos da Área 4 em termos de números e origens?

Actualmente, mais de 500 profissionais estão directamente contratados pela nossa empresa, tanto em terra como na FLNG, para garantir a eficácia operacional. O projecto promove fortemente a transferência de conhecimentos e competências, assegurando um processo estruturado de partilha de conhecimentos. O objectivo é garantir que a experiência seja partilhada entre todo o pessoal, independentemente da sua origem e antiguidade, e esse conhecimento é retido no projecto. O pessoal local representa mais de metade da nossa força de trabalho, e 40% das posições de liderança são ocupadas por pessoal nacional. Estão envolvidas no projecto mais de 30 nacionalidades.

Moçambique também tem necessidades de consumo de energia proveniente do gás natural, embora não sejam significativas em comparação com o resto do mundo. Quais são os planos do consórcio para o fornecimento de gás ao país?

Embora Moçambique já seja, em termos gerais, um exportador líquido de energia, o consórcio da Área 4 também está a trabalhar em projectos futuros para atribuir volumes de gás para venda ao mercado nacional, a fim de apoiar um maior crescimento e desenvolvimento do sector energético nacional.

Qual é o plano de investimento da Eni para Moçambique nos próximos anos nos vários projectos em que está envolvida?

Temos vários projectos no nosso portefólio moçambicano, e nem todos estão relacionados com GNL. Em termos de transição energética, a Eni é já pioneira em Moçambique no desenvolvimento de várias iniciativas, como o programa de produção de óleo vegetal para as biorrefinarias, sendo o sector agrícola o principal beneficiário. De igual modo, as iniciativas de compensação de carbono, baseadas numa combinação de acções de base tecnológica (confecção de alimentos com base em fontes de energia limpa) e de base natural (REDDD+), irão abranger um grande número de beneficiários em Moçambique nos próximos 30 anos.

A Eni anunciou, recentemente, a sua intenção de produzir óleo vegetal como matéria-prima para a produção de biocombustíveis. Qual é o investimento previsto para este projecto e para quando se prevê o início da produção efectiva?

O programa de produção de óleos vegetais iniciou em Dezembro de 2023, com uma produção-piloto de cerca de 800 toneladas, aproveitando uma instalação existente no Norte de Moçambique. Planeamos exportar o primeiro carregamento de óleo vegetal para Itália nos próximos meses, construir e operar as nossas próprias instalações, maximizando também a utilização das indústrias existentes no país para produzir óleos vegetais como matéria-prima para as nossas biorrefinarias. Os planos de investimento para Moçambique irão gerar uma economia estável para toda a cadeia de valor durante os próximos 25 anos, que inclui os agricultores, agregadores e empresas de logística.

“Em termos de transição energética, a Eni é já pioneira em Moçambique no desenvolvimento de várias iniciativas, como o programa de produção de óleo vegetal para as biorrefinarias, sendo o sector agrícola o principal beneficiário.”

O projecto de óleos vegetais poderá envolver vários agricultores nacionais, produtores de sementes oleaginosas. Que quantidades de produtos moçambicanos serão necessárias para o projecto?

O objectivo da produção de óleo vegetal em Moçambique para as nossas refinarias em Itália tem um impacto positivo directo no desenvolvimento da cadeia de valor agrícola. Portanto, prevemos o envolvimento de mais de 100 mil agricultores para assegurar os cereais necessários para a produção desses óleos vegetais.

Além das actividades já em curso nas águas profundas da bacia do Rovuma, a Eni afirma estar empenhada em desempenhar um papel decisivo no processo de transição energética para um futuro de baixas emissões de dióxido de carbono. Como é que a empresa planeia atingir este objectivo?

A Eni está empenhada em atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050 e estabeleceu para si própria alguns dos objectivos de redução de emissões mais exigentes do sector energético, tanto em termos de intensidade como em termos absolutos, em todas as actividades e em toda a cadeia de aprovisionamento. O gás desempenha um papel fundamental nesta estratégia, uma vez que pode garantir um acesso sustentável e justo à energia. Moçambique está no centro da estratégia de gás da Eni, mas estamos também a trabalhar para incluir Moçambique na cadeia de valor da mobilidade sustentável através do nosso programa de produção de óleo vegetal. Além disso, a Eni está a implementar iniciativas de compensação destinadas a gerar créditos de carbono no país que serão usados para abater as emissões causadas pelos projectos da Eni no país, como é o caso do Coral Sul.

Como classifica então os planos da Eni para iniciativas de compensação de carbono no país?

Os planos da Eni para iniciativas de compensação de carbono em Moçambique são ambiciosos, uma vez que Moçambique mantém um elevado potencial em termos de oportunidades de aplicação de energia limpa na confecção de alimentos, projectos REDD+ e outras iniciativas mais avançadas, tais como projectos agroflorestais e de biogás. Num outro projecto de gás natural liquefeito, que será a segunda plataforma flutuante, a Eni e os seus parceiros esperam tomar a decisão final de investimento até Junho próximo e iniciar a produção dentro de quatro anos.

Qual é o estado actual deste projecto?

As concessionárias da Área 4 estão a explorar a oportunidade de desenvolver ainda mais os recursos do reservatório Coral, localizado na Área 4 ao largo do Bloco do Rovuma, através de um segundo projecto flutuante de gás natural liquefeito (o projecto Coral Norte FLNG). O projecto Coral Norte FLNG replicará os parâmetros operacionais e de concepção usados para o projecto Coral Sul FLNG, e estamos a trabalhar em estreita colaboração com os parceiros com vista a assegurar a aprovação do plano de desenvolvimento.

“Na nossa jornada de transição energética, ninguém fica para trás. O acesso à energia, o desenvolvimento local sustentável, o respeito pelos direitos humanos e a protecção do ambiente constituem as pedras basilares para garantir uma transição justa e equitativa.”

Como é que o consórcio liderado pela Eni encara as questões de responsabilidade social empresarial no seu projecto Coral Sul?

O desenvolvimento sustentável faz parte do ADN da Eni. Pretendemos assegurar a criação de valor a longo prazo em todos os países onde operamos, contribuindo para o desenvolvimento socioeconómico, promovendo simultaneamente os direitos humanos e a transparência, e assegurando uma comunicação eficaz e transparente com todos os intervenientes ao longo de todo o ciclo de negócio. Com base nestes princípios, as iniciativas de desenvolvimento local que promovemos estão em consonância com os Planos Nacionais de Desenvolvimento, com a Agenda 2030 das Nações Unidas e com a contribuição determinada a nível nacional. No que se refere ao projecto Coral Sul, trabalhamos através de parcerias público-privadas com organizações não governamentais (ONG) e agências nacionais de desenvolvimento, e em coordenação com as autoridades locais.

Nesta vertente, em que se centram os vossos projectos?

Com o objectivo de melhorar a qualidade de vida de cerca de 500 000 pessoas que vivem na província de Cabo Delgado, e nas áreas onde o projecto Coral Sul opera, os nossos projectos centram-se no acesso a serviços sociais básicos de qualidade e na promoção de actividades geradoras de rendimento, em sectores prioritários como a educação e formação profissional, acesso à água, higiene e saneamento, acesso à energia, saúde e actividades de diversificação económica, nomeadamente agricultura e pesca.

Qual tem sido na prática o impacto desses projectos?

Desde o início do projecto Coral Sul, os nossos projectos de sustentabilidade contribuíram para melhorar o acesso a uma educação de qualidade, beneficiando mais de 4000 alunos, cerca de 400 adultos e mais de 70 professores e funcionários em Pemba. Além disso, mais de 5000 agricultores têm recebido apoio em termos de equipamento, sementes e formação, combinados com um processo de irrigação eficaz para ajudá-los a aumentar a sua produção e promover actividades geradoras de renda e sustentabilidade.

Como é que a Eni associa a responsabilidade social com a transição energética. Pode explicar melhor a ligação entre as duas?

Investir nas comunidades locais onde operamos é uma demonstração simples e directa de que, na nossa jornada de transição energética, ninguém fica para trás. O acesso à energia, o desenvolvimento local sustentável, o respeito pelos direitos humanos e a protecção do ambiente constituem as pedras basilares para garantir uma transição justa e equitativa. Não podemos permitir que nenhum destes elementos-chave seja negligenciado ou descurado à medida que preparamos o nosso percurso para uma transição efectiva e em grande escala, e temos de garantir a melhoria da qualidade de vida das pessoas nas zonas onde operamos.

O que tem sido determinante para que se consiga atingir os objectivos?

A adopção de modelos de desenvolvimento inclusivos é a chave para garantir que os benefícios da transição tenham impacto na vida de todos. Os mais vulneráveis têm acesso limitado ou mesmo nenhum a serviços básicos como a educação e a saúde, a água potável e o saneamento. É exactamente por isso que a sustentabilidade é um compromisso que me orgulho profundamente de defender. Em Moçambique, os nossos projectos de melhoria do acesso a serviços básicos de qualidade como água e saneamento, educação de qualidade, melhoria dos serviços de saúde, e os projectos de diversificação económica destinados a promover a geração de renda para as famílias são apenas alguns exemplos brilhantes da nossa estratégia em acção. Quando tudo isto é associado a programas que contribuem para os objectivos de neutralidade carbónica, como o projecto de fogões melhorados, a produção de óleos vegetais ou mesmo as iniciativas florestais, a transição justa torna-se uma realidade!

Enquanto directora-geral da filial da Eni em Moçambique, tem muitos projectos em cima da mesa. Como é que gere todas estas responsabilidades?

Para mim, o mais importante é colocar as pessoas no centro, não só da nossa actividade no país, como também da gestão da empresa. Acredito firmemente no valor da diversidade e da inclusão. A excelência só pode ser alcançada quando a diversidade for o motor, buscamos a contribuição de todos e tomamo-la devidamente em conta. O meu estilo de liderança centra-se no empoderamento da equipa: as pessoas que trabalham comigo têm de se sentir responsáveis pelo que fazemos e por qualquer decisão que tomarem, diria mesmo que tomamos em conjunto. De facto, isto só pode ser conseguido se as pessoas sentirem realmente que a sua opinião é importante e se os feedbacks e a visão estratégica fizerem parte do nosso ambiente diário de trabalho. Sinto verdadeiramente que todas estas responsabilidades recaem sobre mim, e só terei atingido os meus objectivos se cada pessoa na organização estiver tão orgulhosa quanto eu dos resultados da Eni no país e se o potencial de cada um florescer juntamente com o negócio da empresa.

Uma carreira feita na Eni

Marica Calabrese tem mais de 20 anos de experiência no ramo de energia. É directora-geral da Eni Rovuma Basin, uma filial da Eni em Moçambique, e directora-geral upstream da Bacia do Rovuma em Moçambique. Anteriormente, foi chefe de estudos integrados de desenvolvimento de recursos em África na sede da Eni, onde a sua principal responsabilidade era coordenar todos os estudos de reservatórios relacionados com a região de África. Entre 2017 e 2019, actuou como gerente no departamento de fusões e aquisições, onde foi responsável pelas oportunidades de M&A desde o surgimento, passando pela negociação até ao fim do negócio. Passou a primeira parte da sua carreira na divisão upstream da Eni S.p.A. no departamento de reservatórios, tanto na sede como no estrangeiro, desempenhando funções de crescente responsabilidade. Foi membro do conselho de administração da Var Energi, empresa listada na Bolsa de Valores de Oslo, de Fevereiro de 2022 a Maio de 2024. Formou-se em Engenharia Ambiental pelo Politecnico di Milano e possui mestrado em Engenharia de Petróleo pelo Imperial College of London. É casada e mãe de dois filhos.

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