Opinião

A cultura do “Sim”

Mário Pinto

Num mundo organizacional cada vez mais exigente, a assertividade deixou de ser apenas uma competência comunicacional para se tornar numa verdadeira necessidade de sobrevivência. Todavia, em muitas empresas e instituições, prolifera a chamada cultura do “sim”: um ambiente em que colaboradores, por receio de represálias, desejo de agradar ou incapacidade de contrariar, aceitam sem questionar ordens, prazos e tarefas. Este fenómeno, aparentemente inofensivo, acarreta graves custos para a produtividade e contribui para a criação de contextos laborais tóxicos.

A ausência de assertividade compromete a clareza da comunicação e conduz a uma distorção das prioridades. Quando todos dizem “sim”, mesmo em situações inviáveis, instala-se a ilusão de eficiência. Porém, na prática, surgem falhas, atrasos e erros que poderiam ser evitados caso houvesse espaço para um diálogo honesto. A produtividade, em vez de ser impulsionada, degrada-se progressivamente, pois a sobrecarga e a falta de realismo tornam-se a norma. Além disso, a cultura do “sim” corrói o espírito crítico.

Organizações saudáveis dependem de vozes capazes de propor alternativas, de questionar estratégias e de antecipar riscos. Ao eliminar o contraditório, substitui-se a inteligência colectiva por um conformismo paralisante. Os sistemas que desencorajam o feedback genuíno perpetuam erros e criam barreiras ao verdadeiro processo de aprendizagem organizacional.

“Ser assertivo não significa ser conflituoso ou desrespeitoso, mas sim comunicar de forma clara, honesta e equilibrada, conciliando respeito com firmeza.”

Do ponto de vista humano, o impacto é ainda mais devastador. Colaboradores que se sentem incapazes de recusar ou de sugerir tornam-se vulneráveis ao stress, à exaustão e à frustração. O ambiente torna-se tóxico porque a ausência de assertividade gera ressentimento: muitos aceitam em silêncio, mas acumulam descontentamento, o que resulta em conflitos velados, desmotivação e aumento da rotatividade. A aparência de harmonia encobre, na realidade, uma profunda desordem emocional.

A longo prazo, a cultura do “sim” enfraquece a confiança. Líderes deixam de confiar na sinceridade dos seus colaboradores, equipas perdem a capacidade 6 de cooperação autêntica e a própria organização passa a viver numa espécie de “bolha” de conformismo, afastada das exigências reais do mercado. Esta dinâmica, ao invés de proteger a hierarquia, mina-a, pois conduz a decisões mal informadas e a estratégias frágeis.

É, por isso, fundamental cultivar a assertividade como valor organizacional. Ser assertivo não significa ser conflituoso ou desrespeitoso, mas sim comunicar de forma clara, honesta e equilibrada, conciliando respeito com firmeza. Organizações que promovem esta cultura criam ambientes mais colaborativos, reduzem os custos derivados de erros e aumentam a inovação. Afinal, como defende Goleman (1995), a inteligência emocional é o alicerce da liderança eficaz, e a assertividade é uma das suas expressões mais visíveis. A cultura do “sim” pode parecer, no imediato, um caminho de menor resistência, mas os seus efeitos são destrutivos.

A ausência de assertividade mina a produtividade, fomenta ambientes tóxicos e fragiliza o próprio tecido das organizações. O desafio reside em transformar a comunicação numa via de mão dupla, onde o “sim” e o “não” coexistam com responsabilidade, transparência e maturidade. Só assim será possível construir organizações mais resilientes, humanas e produtivas.

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