Angola acelera no mercado de capitais com “revolução silenciosa” e novo apetite por investimento de impacto

O painel “O mercado de capitais e o investimento de impacto na economia angolana”, integrado no Forbes África Lusófona Annual Summit 2025, que decorreu em Luanda, esta terça-feira, começou com um diagnóstico otimista sobre o momento que o mercado de capitais angolano atravessa. Walter Pacheco, Chairman da Kassai Capital, descreveu-o como “uma revolução silenciosa no…
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O Forbes África Lusófona Annual Summit 2025 dedicou um painel ao mercado de capitais angolano, onde especialistas do setor analisaram a evolução regulatória, os principais desafios que se colocam e o potencial do investimento de impacto para transformar a economia.
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O painel “O mercado de capitais e o investimento de impacto na economia angolana”, integrado no Forbes África Lusófona Annual Summit 2025, que decorreu em Luanda, esta terça-feira, começou com um diagnóstico otimista sobre o momento que o mercado de capitais angolano atravessa. Walter Pacheco, Chairman da Kassai Capital, descreveu-o como “uma revolução silenciosa no mercado de capitais”, sublinhando que “nos últimos três ou quatro anos vemos uma evolução significativa ao nível do regulador e da Bodiva, uma orientação mais pragmática, mais voltada para o mercado”.

O responsável destacou ainda o dinamismo gerado por novas comunidades de investidores. “Vemos uma juventude mobilizada, desde influencers até jovens que criam associações de investimento e que debatem teoria financeira básica. Esta revolução silenciosa está a acontecer”, afirmou. Na perspetiva da Kassai, o mercado começa a ser visto “como fonte de financiamento da economia real”. E acrescentou: “É possível mobilizar poupança a sério em Angola. É uma questão de tempo até vermos outras iniciativas, incluindo de private equity, com impacto real na economia”.

Walter Pacheco

Sobre o investimento de impacto, Walter Pacheco explicou que a estratégia da Kassai Capital passa por “melhorar as condições de vida das populações”, sublinhando que o objetivo é “demonstrar com resultados que é possível, com boa gestão, ter bons retornos em Angola”. Questionado sobre a próxima grande transformação do setor, referiu dois eixos: “o surgimento da indústria de fundos, com capital informado, e a necessidade de atrair capital estrangeiro”. Mas defendeu também que “o grande boom do mercado de capitais será quando Angola desenvolver uma bolsa de mercadorias”, alinhada com a ambição nacional, nomeadamente para o setor agrícola.

Mário Amaral, Managing Director da Hemera Capital Partners, destacou que o país vive um momento em que “o cenário macroeconómico ainda é de alguma preocupação, pelo que ainda é difícil captar investimento”. Contudo, começa a emergir um novo interesse por capital de risco, apesar de continuar a ser necessário “construir uma cadeia de valor com entidades que reduzam custos e criem confiança”. Segundo explicou, esta confiança cresce quando existem seguros, mecanismos de mitigação de risco e estruturas de apoio ao investimento.

Mário Amaral

O gestor apresentou casos concretos da Hemera. “Criámos um fundo de capital de risco com impacto e trabalhamos sustentabilidade com uma equipa dedicada”, disse. Um dos exemplos partilhados foi o de uma empresa cuja valorização “aos olhos do investidor aumentou 29 por cento depois da aplicação de fatores ESG”. O impacto financeiro também mudou: “Passou de 39 por cento negativo para 9 por cento negativo”. Para Mário Amaral, a mensagem é clara: “É preciso que as empresas percebam a importância disto”.

Sobre onde investiria 100 milhões de dólares, respondeu com humor: “No fundo da Kassai”. Mas deixou claro que Angola enfrenta necessidades concretas nas infraestruturas, energia, telecomunicações, saneamento, saúde, produtos farmacêuticos e transformação mineira. Quanto aos setores a evitar, recordou que a Hemera tem fatores de exclusão, “como bebidas alcoólicas e armamento”.

Kelson Cardoso, PCE da Áurea, focou-se na democratização do acesso ao mercado. “Estamos a criar soluções que facilitem o acesso dos clientes, investindo em tecnologia e literacia financeira, explicando de forma pedagógica como podem entrar no mercado”, afirmou. A OPV do BFA, segundo disse, contribuiu para “uma grande valorização do mercado de capitais e um maior volume de transações”.

Kelson Cardoso num momento em que falava no painel

No entanto, o responsável alertou que o investimento de impacto ainda enfrenta desafios. “Do lado dos emitentes, colocamos sempre a componente ESG, mas nem todas as empresas têm condições para isso. O mercado está num estágio inicial e há temas prévios, como reestruturação empresarial, que são desafios à partida”. Do lado dos investidores, persiste o receio de que “os ganhos não tragam tanta rentabilidade”, embora o caminho da adaptação já esteja a ser percorrido. Kelson Cardoso apontou ainda dois mitos a desconstruir: “Para investir no mercado de capitais não é preciso muito dinheiro” e “o mercado é efetivamente uma alternativa de financiamento para as empresas, desde que estas tenham requisitos e queiram fazer esse caminho” – mitos falsos que Kelson Cardoso entende que devem ser combatidos.

Raquel Azevedo, partner da PLMJ nas áreas bancário, financeiro e mercado de capitais, realçou que Angola vive um momento de oportunidade. “É encorajador ver que o mercado está a começar e, ao contrário do que sucede em Portugal, há um mundo de oportunidades”, afirmou. Sobre o quadro regulatório, sublinhou que o país já dispõe de regulamentação adequada para o funcionamento do mercado. Destacou também a revisão do Código do Mercado de Valores Mobiliários, em curso, como “muito positiva”, por incluir melhorias nas regras de ofertas e de informação privilegiada.

Raquel Azevedo

A advogada explicou ainda que algumas empresas encaravam o ESG “como um fardo”, devido à taxonomia complexa e às obrigações de reporte detalhadas. Para responder a isso, foi criado “um pacote de simplificação que adia metas demasiado ambiciosas e reduz exigências para empresas de menor dimensão”. O objetivo é que “o ESG gere retorno e não seja um obstáculo”. Quanto ao maior risco regulatório, foi direta: “É a capacidade do mercado angolano de dar segurança aos investidores e garantir que, se quiserem, podem retirar o capital em segurança”.

Pedro Ferreira Neto, CEO da Eaglestone, reforçou esta questão ao analisar a visão internacional sobre Angola. “O interesse existe e já é sexy, como se viu na operação do BFA, onde investidores estrangeiros quiseram entrar”, afirmou. Mas o ponto crítico surge no pós-rateio. “A dúvida é sempre: o que faço no dia a seguir? Consigo retirar rapidamente ou não? O desafio é mostrar que é possível movimentar capital com facilidade”.

Pedro Ferreira Neto

O responsável defendeu que Angola precisa de provar que consegue atrair “players internacionais para além da banca e dos seguros”, alargando o mercado ao setor corporativo. Referiu ainda o trabalho crescente com fundos internacionais, incluindo no domínio das infraestruturas. “Estamos a trabalhar com fundos europeus para África e já há co-investimento”, explicou.

Sobre investimento de impacto, explicou que a Eaglestone atua “em duas frentes, na descarbonização e no empoderamento feminino”. A empresa está a angariar capital para um fundo dedicado a projetos liderados por mulheres ou focados na inclusão feminina, complementado por iniciativas de mentoring. “Queremos trazer esta experiência para Angola e ter impacto real na vida das pessoas”, afirmou. Do lado dos investidores, destacou o papel dos fundos de pensões, lembrando que “na África do Sul este movimento foi gigante e Angola ainda tem esse caminho por percorrer”.

Questionado sobre novos produtos financeiros, apontou várias tendências: “Podemos dar aos investidores angolanos acesso a fundos no exterior e, a prazo, os fundos de crédito vão chegar. Nos Estados Unidos e na Europa estão a crescer muito devido aos rácios bancários e, pela liberdade com que operam, acabarão por surgir aqui”.

O debate encerrou com uma convicção comum: Angola está a entrar numa fase em que o mercado de capitais ganha dimensão, confiança e visibilidade internacional, apoiado por evolução regulatória, casos de sucesso como a OPV do BFA e um interesse crescente no investimento de impacto.

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