Moçambique surge entre os países mais afectados pela recente inversão dos fluxos financeiros da China, num contexto em que o gigante asiático passou a receber mais dinheiro dos países mais pobres do que aquele que lhes concede em novos empréstimos, agravando as restrições de financiamento externo e a pressão sobre economias já vulneráveis.
Segundo dados citados pela Lusa, Moçambique registou transferências líquidas negativas não apenas da China, mas do conjunto dos seus credores, o que significa que o país está a pagar mais em serviço da dívida do que recebe em novos financiamentos, sem conseguir compensar este desequilíbrio com recursos provenientes de outras fontes externas.
Esta dinâmica é confirmada por um estudo do Global Development Policy Center da Universidade de Boston, divulgado esta Segunda-feira, 15, que revela uma mudança estrutural no papel da China enquanto financiador do desenvolvimento. De acordo com a investigadora Rebecca Ray, autora do estudo, os chamados “fluxos líquidos de dívida” da China – novos empréstimos concedidos menos os reembolsos recebidos – tornaram-se negativos nos últimos anos para os países de baixo rendimento.
Na prática, isto significa que os países mais pobres estão, actualmente, a transferir mais recursos financeiros para a China do que aqueles que recebem em novos financiamentos, revertendo um padrão dominante nas últimas duas décadas, período em que Pequim se afirmou como um dos principais financiadores de infra-estruturas em África, Ásia e América Latina.
O estudo aponta que esta inversão resulta, sobretudo, da queda acentuada dos desembolsos chineses desde 2018, ano em que o financiamento externo da China atingiu o seu pico. Como os períodos de reembolso da dívida são mais longos do que os ciclos de concessão de crédito, o aumento dos pagamentos sem um volume equivalente de novos empréstimos tornou esta evolução praticamente inevitável.
Em termos históricos, a situação apresenta paralelismos com o cenário registado em 2005 pelos credores do Clube de Paris, que naquele ano apresentaram fluxos líquidos negativos de 9,4 mil milhões de dólares, num contexto de instabilidade financeira internacional. No caso chinês, o estudo estima que o saldo negativo tenha atingido 5,9 mil milhões de dólares em 2024.
Para países como Moçambique, esta mudança estrutural tem implicações relevantes. A redução do financiamento concessionário, combinada com o aumento do serviço da dívida, limita a capacidade de investimento público, pressiona as contas externas e reduz a margem de manobra para financiar infra-estruturas e políticas de desenvolvimento.
A inversão dos fluxos financeiros chineses reforça, assim, o debate sobre a sustentabilidade da dívida, a necessidade de diversificação das fontes de financiamento e o papel dos credores bilaterais e multilaterais num contexto global marcado por maior seletividade no crédito, taxas de juro elevadas e menor tolerância ao risco nos países em desenvolvimento.





