Do básquete a Cannes: a história de Malef

A conversa com Álvaro Rodriguez Mateus “Malef”, de 37 anos, filho de mãe angolana e pai congolês, aconteceu pelas ruas da cidade de Lille, no Norte de França, na véspera das gravações do seu terceiro filme, intitulado O Imigrante. De forma descontraída, o cineasta angolano a residir em França começou por contar à Forbes África Lusófona…
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Nascido em M’banza Congo, capital da província angolana do Zaire, Álvaro Rodriguez Mateus, com uma trajectória que teve início no basquetebol, passou pelo Rap e destaca-se hoje na cinematografia.
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A conversa com Álvaro Rodriguez Mateus “Malef”, de 37 anos, filho de mãe angolana e pai congolês, aconteceu pelas ruas da cidade de Lille, no Norte de França, na véspera das gravações do seu terceiro filme, intitulado O Imigrante.

De forma descontraída, o cineasta angolano a residir em França começou por contar à Forbes África Lusófona a sua trajectória, que teve início no basquetebol, passou pelo rap até chegar ao cinema.

O jovem, que se considera um angolano genuíno, enfrentou desafios desde que voltou a Angola, após estar vários anos a estudar na República Democrática do Congo, sendo rotulado de “langa” – forma pejorativa como são chamados os cidadãos da RDC –, algo que diz que o afectou e que o levou a uma viragem surpreendente na música rap.

A sua jornada estava longe de ser fácil, marcada por desafios, polémicas e triunfos. Com uma história de resiliência, o visionário angolano emergiu das sombras da marginalização para se tornar numa figura central no cenário global do entretenimento. Com um percurso único, da quadra de básquete às luzes de Cannes, é uma inspiração para todos os que buscam transformar desafios em oportunidades.

Malef, como é conhecido nas lides artísticas, iniciou a carreira como atleta de basquetebol no clube ASA – Atlético Sport Aviação, de Luanda, mas encontrou a sua verdadeira paixão no rap, tendo, mais tarde, começado a apostar no cinema. “Em 2004, o retorno a Angola como atleta de basquetebol marcou não apenas uma fase desportiva, mas um capítulo de empoderamento pessoal. Integrando as fileiras do clube ASA, a minha passagem foi marcada por realizações nos campos, mas também por desafios e confrontos”, conta.

Ao enfrentar esses desafios e boicotes, não apenas conquistou o seu espaço na cena musical, mas também, diz, colaborou com o rapper norte-americano Fat Joe, desafiando as normas linguísticas e conquistando reconhecimento internacional.

Como um inovador na produção de videoclipes, Malef gaba-se de ter trazido tendências visuais para Angola, moldando a estética da indústria. A sua empresa, a Malef Film, já ganhou prémios, mas tornou-se também uma referência no sector, “fornecendo um ponto de vista único e elevando a produção audiovisual em todo o país”.

Ao longo dos anos, tem criado vídeos musicais com reconhecimento que vai além da tela. Desde o grande sucesso do videoclipe do músico angolano Vui Vui, eleito como o melhor de 2019 no Angola Music Awards, até aos recentes sucessos como Rijo, de Don G (com a participação de Prodígio), vencedor do prémio de Clipe  Revelação do Ano, e o vídeo com Denexel, que conquistou o título de Melhor Clipe em 2022.

“A resposta do público foi avassaladora, solidificando a posição do vídeo como um marco inesquecível no cenário musical para mim. A habilidade de capturar a essência da música e traduzi-la visualmente foi crucial para o sucesso dessa produção”, sublinha.

Malef refere que a parceria com Don G e Prodígio resultou num vídeo que elevou a música além-fronteiras, mas também foi reconhecido como o clipe mais visto em 2022. “A narrativa visual complementou a energia da faixa, gerando uma sinergia única que ressoou com o público e críticos”, enfatiza o cineasta, acrescentando que os referidos prémios não são apenas reconhecimentos, mas reflexos de uma jornada dedicada à arte visual.

“Cada projecto é uma peça do quebra-cabeças que contribui para a evolução e o sucesso contínuo na criação de vídeos musicais memoráveis”, assinala.

A parceria com a Netflix

Malef não brilha apenas como artista e cineasta, mas também como empresário. Com um volume de negócios avaliado em 150 mil euros, estabeleceu parcerias com gigantes como a Google e Netflix Brasil. Os seus filmes alcançam audiências globais, consolidando ainda mais a sua posição como um líder na indústria do entretenimento.

Em Angola, Malef mantém o seu papel à frente da Malef Film, uma empresa de audiovisuais que, como o próprio garante, se destaca não apenas pela excelência técnica, mas também pela valorização do talento jovem.

Com uma equipa diversificada, recrutada sobretudo nas universidades do país lusófono, o empreendedor procura proporcionar oportunidades para jovens talentos angolanos brilharem na produção de videoclipes e no cinema.

“A Malef Film não é apenas uma empresa, mas uma incubadora de talentos, onde a juventude angolana encontra um espaço para explorar e aprimorar as suas habilidades no mundo audiovisual”, assegura, reconhecendo o “potencial único” que os jovens trazem para a criação de videoclipes e filmes. A escolha deliberada de recrutar nessa base reflecte o compromisso com o desenvolvimento do país.

O empresário destaca que a vasta equipa jovem da Malef Film representa uma geração de cineastas e criadores de videoclipes que têm a oportunidade de transformar as suas paixões em profissões significativas. “Nós não oferecemos apenas um ambiente propício à expressão artística, mas também apoiamos o desenvolvimento profissional desses jovens talentos, contribuindo assim para o enriquecimento cultural e criativo de Angola”, explica.

Manifestando confiança no futuro, mostra-se maravilhado com o talento dos seus compatriotas, quando o assunto é realização de videoclipes e filmes. “Esses cineastas emergentes não só trazem uma perspectiva única para as produções, mas também moldam a narrativa audiovisual de Angola, capturando as nuances da cultura local com maestria”, elogia.

Ao escolher investir na juventude local, Malef afirma que não tenciona unicamente fortalecer a sua empresa, como contribuir também para a construção de uma indústria audiovisual robusta em Angola, naquilo que considera ser o seu “compromisso duradouro” em oferecer oportunidades e mentorias. “Reflecte não apenas uma visão de negócios, mas um investimento no futuro cultural e artístico do país”, avança.

Amadurecimento pessoal

O ano de 2023 não foi apenas um período desafiador para Malef, mas também, diz, marcou significativamente o seu amadurecimento pessoal. Durante o ano passado, revela ter concebido a ideia para o seu terceiro projecto cinematográfico, O Imigrante.

Baseado em factos reais, o filme será gravado em Angola, Bélgica, Portugal, França e Países Baixos, explorando as histórias de angolanos que migraram em busca de melhores condições de vida no continente europeu.

Apesar dos desafios enfrentados em 2023, o empreendedor viu uma opor tunidade para crescer e se reinventar. A concepção de O Imigrante provou a sua resiliência como cineasta, mas também reflecte o seu compromisso em abordar temas sociais relevantes e impactantes.

De acordo com Malef, a ideia para O Imigrante surge da vontade de contar histórias autênticas e emocionantes sobre a jornada dos angolanos que decidiram buscar oportunidades além das fronteiras do seu país natal. 

“Quero destacar as complexidades, desafios e triunfos dessas histórias reais, oferecendo uma perspectiva única sobre a experiência da imigração. “Precisamos de mostrar todos os ângulos da imigração”, frisa.

(Matéria completa publicada na edição impressa Janeiro/Fevereiro 2024)

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