Sou uma mulher com uma personalidade muito reservada, extremamente calma, analítica e muito observadora”, é desta forma que se descreve, logo no início da conversa com a Forbes África Lusófona, Nádia Feijó, jovem empreendedora formada em Direito e que se tem destacado no mercado angolano. Apaixonada pelas leis e pela justiça, para consolidar os seus conhecimentos, após concluir a licenciatura, apostou em formações complementares.
Foi assim que, em 2019, fez a primeira pós-graduação em Compliance e Combate ao Branqueamento de Capitais, pelo Centro de Estudos de Ciências Jurídico-Económicas e Sociais da Universidade Agostinho Neto (CEJE).
Passado um ano, e porque queria ganhar uma visão mais profunda sobre compliance para adequar à realidade do país, escolheu o Centro de Estudos em Direito e Negócios do Brasil para fazer um Master of Business Administration (MBA) em Governança, Risco e Compliance. “Não queria ser apenas uma promotora de cursos e eventos sobre compliance, mas ganhar uma visão mais profunda sobre o mesmo, governação corporativa, gestão de riscos e, principalmente, observar como é que são as coisas lá fora, para tentar adequá-las à nossa realidade. Daí ter escolhido, em 2020, uma escola brasileira para fazer um MBA à distância, durante dois anos”, explica a jurista que o município do Cazenga, na capital angolana, viu nascer.
Na altura, Nádia Feijó foi atraída pelos contactos que já tinha com alguns profissionais brasileiros e pelas diversas situações que aquele país tem enfrentado em termos de corrupção e branqueamento de capitais. Agora, tem também a intenção de frequentar escolas do mundo anglo-saxónico, com o objectivo de reforçar os conhecimentos já adquiridos.
Quando decidiu estudar Direito, não se reviu nas ciências políticas, nem no lado mais público do Direito, optando por enveredar pela área económica, colocando nesta direcção todas as suas formações. A ideia de empreender sempre fez parte dos seus planos.
Mais do que uma profissão, uma forma de ganhar dinheiro e trabalhar com as empresas, Nádia Feijó encara o compliance como uma oportunidade para ser uma verdadeira activista social, por entender tratar-se de uma accão que atinge a sociedade de uma forma geral, desde as coisas mais simples até às mais complexas.
“Costumo dizer que o compliance é uma forma de dizer para o mundo corporativo a palavra de Deus na linguagem do sector financeiro. Então, é muito sobre propósito, realização, real transformação para a sociedade e construção de um mundo melhor para as próximas gerações”, sublinhou.
No início de 2018, sentindo a necessidade de deixar de depender da família, na sequência do plano de formação complementar e também porque precisava de trazer retorno e não mais despesa, montou o projecto Rede Inovar Angola, nome da empresa do seu tio André Feijó, que lhe cedeu um apoio de 70 mil kwanzas, que serviu para alugar a sala do evento.
“Não queria ser apenas uma promotora de cursos e eventos sobre compliance, mas ganhar uma visão mais profunda sobre o mesmo.”
Em Março do mesmo ano, promoveu, em Luanda, o primeiro seminário com o tema “O que os Estudantes de Direito Precisam de Saber”, que teve como prelector o presidente da Câmara de Comércio Angola-China e ex-presidente do conselho de administração da Empresa Nacional de Prospecção, Exploração, Lapidação e Comercialização de Diamantes de Angola Endiama), Manuel Calado, que, por sinal, foi seu professor na UMA.
“Eu precisava de ter uma visão holística sobre o mercado de trabalho, saber o que é que o mercado esperava de um recém-licenciado em Direito, como ser um bom argumentador e entender a importância do networking. O primeiro evento correu bem, tive muitos colegas da universidade, inclusive alguns finalistas de Direito”, lembra.
Ao prosseguir com o projecto, começou a descobrir e a estudar compliance na Internet, uma vez que não tinha capacidade financeira para custear a formação que estava a ser ministrada pela Greeting. Entretanto, em Agosto de 2018, encontrou a oportunidade de realizar um certame sobre compliance, que teve como prelectora a presidente da World Compliance Association, Andrea Moreno.
Tudo começou com estudantes de Direito que precisavam de se preparar para o mercado de trabalho, e o projecto foi evoluindo. Depois surgiu a necessidade de criar uma marca que fosse gerida completamente por ela e que tivesse o seu rosto. Daí ter fundado, em 2019, a NF-CONFOJUR – empresa dedicada à formação, consultoria em compliance e implementação de sistemas de vigilância e controlo, com o propósito de contribuir para a concepção de um ambiente empresarial íntegro e juridicamente seguro, ajudando as organizações na prevenção de perdas financeiras provocadas pelo incumprimento de normas legais e éticas.
“Nós estamos numa ‘campanha de evangelização do compliance’. Infelizmente, as pessoas ainda não percebem o que estamos a tentar fazer, e nem as grandes instituições, apesar das obrigatoriedades e imposições legais, chegaram à real percepção do valor do compliance para as organizações”, constata.
Nádia Feijó explica que o compliance não visa apenas prevenir fraudes, branqueamento de capitais e processos judiciais, mas também garante a sustentabilidade das organizações, cuidando dos colaboradores e promovendo um ambiente saudável para que todos produzam, de forma eficiente e sem tarefas repetitivas, preservando a dignidade humana e a liberdade dos trabalhadores. A mestranda em Ciências Jurídico-Empresariais lamenta o facto de a campanha que tem vido a desenvolver não ser ainda rentável, porque os gestores não acreditam que a NF-CONFOJUR, “gerida por uma menina jovem”, apresente uma formação que realmente capacite os seus colaboradores com idades compreendidas entre os 40 e os 50 anos e que desempenham funções-chave.
“Precisava de ter uma visão holística sobre o mercado de trabalho, saber o que é que o mercado esperava de um recém-licenciado em Direito, como ser um bom argumentador.”
A seu ver, as pessoas que gerem algumas instituições ainda estão cépticas em relação às opções que existem em Angola, optando por consultoras internacionais, “quando o país tem pessoas qualificadas para tal”. “Acreditem um pouco mais e nos deem oportunidade de mostrar que nós conseguimos ajudar a resolver essas dificuldades em termos de ética, regulamentação legal, protecção de fraude e implementação de uma verdadeira cultura de compliance”, apelou.
Constituída por uma área de evento, formação, gestão de projectos de formação e gestão de consultoria, a empresa tem vindo a crescer com vários prestadores de serviços. Neste momento, conta com cerca de 20 formadores e consultores nacionais e internacionais. “Temos muitos colaboradores voltados para a América Latina, onde temos imensos parceiros, especificamente no Brasil, que já tem muita experiência na área de consultoria. Nós estamos no negócio de conectar, gerar oportunidade para as pessoas e contribuir para construção de um mundo melhor pela divulgação do compliance”, assegurou.
Além de promover a Conferência Angolana de Compliance, o Fórum Anual de Fomento ao Compliance e o Compliance ao Pôr do Sol, Nádia Feijó foi também a mentora da 1.ª edição da Startup Day Bay NF, que visa facilitar-lhes o acesso ao investimento de forma rápida e segura.
O Prémio Startup Pitch, referente a esta edição, foi conquistado pela Agricargas – uma start-up angolana de impacto socioeconómico para o sector do agro-negócio, da província do Bengo – que recebeu um financiamento de 500 mil kwanzas (cerca de 990 dólares), atribuído pela Igniting Potential, que promove a criação de empregos de qualidade.
O projecto, explica a mentora, foi materializado “porque, nos últimos anos, Angola tem registado jovens com ideias brilhantes e projectos muito interessantes que podem alavancar a economia nacional”, mas que, além da falta de investimento, também não têm o conhecimento necessário sobre a estruturação dos processos. “Surgiu a necessidade de falarmos para esses jovens que mais do que procurar investimento, é preciso pensar o compliance e governação corporativa, o que pode atrair investidores para os negócios”, realçou.
Nádia Feijó considera ainda que a mulher tem sido mais valorizada no sector financeiro, realçando que na constituição dos conselhos de administração de algumas instituições se verifica a presença de muitas mulheres. “É o caso da Comissão do Mercado de Capitais, que é dirigida por Andreia Vanessa Sousa Simões, presidente do conselho de administração”, exemplificou.
Em 2018, Nádia tornou-se a primeira vice-presidente da Leading Africa Forum-Angola (LAFA), uma rede de líderes que pretende sensibilizar para os vários desafios que África enfrenta e criar respostas positivas e sustentáveis. “Foi uma experiência gratificante e interessante em termos de liderança, interacção e constatação das mentes brilhantes que temos no país. Nós realizámos discussões sobre a Agenda 2030, que hoje é conhecida por muita gente. Abordávamos os problemas dos jovens e das comunidades africanas, tínhamos os fóruns de debates”, recordou.
Promotora do compliance

Antes de entrar na universidade, Nádia Feijó estava dividida entre o Direito e a Psicologia. Depois de um teste vocacional, optou pelo Direito, tendo concluído a licenciatura na especialidade jurídico-económica na UMA. Admite que era o curso mais adequado pela sua personalidade e também por influências familiares.
“O curso de Direito requer observação e capacidade de raciocínio muito diferente ou mais apurada para podermos analisar com alguma clareza os factos que chegam à mesa de um jurista, advogado ou juiz”, justifica.
Na família foi fortemente influenciada a seguir este curso pelo tio, pelo avô e pela mãe. A nível profissional, o maior desejo é que as instituições não encarem o compliance como uma obrigação, mas como um benefício que pode permitir maior crescimento e mais transparência.
*Artigo inserido na edição impressa Julho/Agosto