“A cultura de comportamento está a influenciar a conduta dos funcionários bancários” – Naiole Cohen

“O ecossistema financeiro angolano registou, na última década, um aumento expressivo de competências técnicas e institucionais, impulsionado pela modernização tecnológica e pela adopção gradual de normas internacionais de supervisão e conformidade”. A avaliação foi apresentada por Naiole Cohen, fundadora da Angola Corporate Governance Association, durante a sua intervenção na 2.ª edição do Forbes África Lusófona…
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A modernização da banca contrasta com sinais persistentes de má conduta. Novos inquéritos mostram que até 67% dos líderes admitem comportamentos antiéticos.
Líderes

“O ecossistema financeiro angolano registou, na última década, um aumento expressivo de competências técnicas e institucionais, impulsionado pela modernização tecnológica e pela adopção gradual de normas internacionais de supervisão e conformidade”. A avaliação foi apresentada por Naiole Cohen, fundadora da Angola Corporate Governance Association, durante a sua intervenção na 2.ª edição do Forbes África Lusófona Annual Summit 2025, onde abordou o tema “A Ética e Integridade como Pilares do Governance do Ecossistema Financeiro”.

Segundo a especialista, o sector financeiro angolano percorreu um trajecto marcado pela melhoria dos processos, pela digitalização, pelo reforço dos sistemas de controlo interno e pela caminhada rumo ao alinhamento com práticas internacionais de prevenção do branqueamento de capitais e das normas FRS. “O ecossistema financeiro angolano teve um aumento de competências: mais técnica, mais tecnologia, processos mais eficientes e sistemas de controlo interno mais robustos”, referiu.

Contudo, Naiole sublinhou que esta evolução positiva convive com uma memória institucional complexa. A história recente da banca angolana é marcada por reestruturações profundas, encerramentos, fusões, aquisições e, mais recentemente, a abertura de capital. Paralelamente, episódios como os Panama Papers, o caso dos “500 milhões” do BNA e o Luanda Leaks deixaram marcas de repercussão internacional. “Bancários e banqueiros não gostam muito de falar sobre esta parte da história, mas ela existe e é determinante para a discussão actual”, afirmou.

A responsável salientou que os desafios éticos do sistema financeiro não se limitam às fragilidades de controlo interno, mas estão profundamente ligados aos comportamentos organizacionais. “Compreendo que não é fácil falar de fraude ou de fragilidades dos sistemas de controlo interno, mas mais difícil ainda é falar de um tema chamado comportamentos”, observou.

Naiole defende que a confiança no sistema financeiro depende, em larga medida, do exemplo vindo da liderança. Em Angola, sublinhou, “os comportamentos são reflexos do observado”, indicando que a conduta dos funcionários é influenciada directamente pelos comportamentos dos gestores e membros dos conselhos de administração.

Um inquérito apresentado pela especialista reforça esta conclusão: 25% dos trabalhadores afirmam que poderiam adoptar comportamentos antiéticos em benefício próprio. Entre membros dos conselhos de administração, essa percentagem sobe para 67%, e para 51% entre dirigentes de topo. “Quando dois terços destas estruturas relevantes admitem que poderiam ter um comportamento antiético, há razões sólidas para falarmos de ética, porque afinal os exemplos vêm de cima”, frisou.

Naiole observou que os riscos emergentes para o sector financeiro estão cada vez mais ligados a variáveis humanas, mesmo num contexto de aceleração tecnológica. Dados do World Economic Forum colocam a tecnologia entre os principais riscos globais, uma tendência também identificada pela KPMG, que alerta para o aumento de golpes e tentativas de fraude baseadas na manipulação humana no contexto da digitalização financeira.

A Ernst & Young, no seu relatório global de 2024 sobre integridade, acrescenta uma nota preocupante: 65% dos membros de conselhos de administração afirmam sofrer pressão para não reportar más condutas ou casos de fraude. Em África, essa percentagem sobe para 86%. Angola acompanha esta tendência, tendo também apresentado indicadores consistentes com estes desafios.

A especialista recordou ainda que sinais de alerta não são novos. A PwC, em 2018, indicava que 64% dos inquiridos atribuíam a responsabilidade da fraude a agentes internos. E, em 2020, a Deloitte reportava que 69% dos casos de fraude ocorriam ao nível dos quadros médios e superiores, com incidência relevante em corrupção (59%), desvio de fundos (53%) e tráfico de influências (52%).

Para Naiole Cohen, estes indicadores revelam um problema estrutural: a cultura de gestão. “As pessoas são contratadas pelas suas competências, mas são despedidas pelos seus comportamentos”, afirmou, destacando que a variável humana continua no centro das teorias modernas de governance e da compreensão dos riscos no sector financeiro.

“Quanto mais competente e mais acesso se tem, maior é a oportunidade para adoptar uma atitude antiética”, alertou, defendendo a necessidade de reflexão profunda sobre o tipo de cultura e de ambiente económico que o país pretende construir.

Como medidas de mitigação, apontou a formação contínua e o reforço dos canais de denúncia como ferramentas essenciais para reduzir riscos e melhorar a transparência. “Há um caminho longo a percorrer. A tecnologia pode ajudar-nos muito, mas não chega. É preciso sermos todos agentes de governance”, concluiu.

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