África tarda em dar o salto para o crescimento económico, mas o economista guineense Carlos Lopes acredita que é possível desenhar um business plan de sucesso para o continente se os países africanos seguirem três ingredientes essenciais nas suas estratégias. São eles: ambição, sofisticação e coerência.
Em entrevista à FORBES ÁFRICA LUSOFONA, à margem da apresentação da versão portuguesa do livro África em Transformação. Desenvolvimento Económico na Idade da Dúvida, o economista explicou como estes três ingredientes podem influenciar e ajudar a que África atinja a transformação económica e a industrialização.
Questionado então sobre quais seriam os pontos fulcrais para um plano de negócio para África, Carlos Lopes começa por lembrar que, em conjunto com outras personalidades, integrou uma equipa que estabeleceu a Agenda 2063 da Organização União Africana que tem um cunho aspiracional, mas que depois se tem de traduzir em algo prático.
E explica que, em relação à ambição, esta traduz-se na capacidade de entender as três megatendências mais importantes do continente — que são a demográfica, a tecnológica e a climática – e introduzir no plano de transformação do país estes três elementos. “Não vale a pena fazer um plano consequente sem ter em conta que a realidade demográfica está em plena transformação. Sem incorporar as necessidades de responder aos imperativos do clima. E sem se antecipar aos impactos tecnológicos”, alerta Carlos Lopes.
O segundo elemento, a sofisticação, refere que tem que ver com não se querer fazer tudo e ter a capacidade de priorizar, isto porque acredita que “os países só são bem-sucedidos quando têm muito poucas prioridades”. De acordo com o autor, hoje, num mundo cada vez mais globalizado, escolher as cadeias de valor é muito importante. Isto porque “só se pode ter algumas prioridades em termos económicos, sendo que aquelas que se escolherem podem ser as vantagens comparativas já herdadas dos recursos do país. Como podem ser vantagens comparativas dinâmicas que se constroem. Estou mais favorável a esta segunda possibilidade”.
O terceiro, a coerência, prende-se com “alinhar o conjunto dos agentes, nomeadamente o governo junto dessas priorizações. Isto porque toda a gente faz um pouco de tudo e é um desconcerto total”. Carlos Lopes salienta que “para criar uma sinfonia perfeita que permita a transformação é preciso que os três ingredientes estejam bem alinhados. Isto porque muitas vezes vemos que há muitos planos sectoriais, mas que não têm nada a ver com a prioridade proclamada.
INDUSTRIALIZAR É FUNDAMENTAL
Numa conversa que decorreu na Nova School of Business and Economics, o antigo director da Comissão Económica da ONU para o continente africano sublinha que, no livro, apresenta os oitos desafios principais a vencer, mas que “se pode resumir em tirar África do modelo económico da dependência das matérias-primas, o que já vem desde o tempo colonial e que não foi retificado desde as independências”.
Carlos Lopes lamenta que ainda não se conheçam “exemplos de desenvolvimento sustentado, nomeadamente, de aumento da produtividade do sector primário o que é fundamental, já que, 60% da população africana está empregada na agricultura”.
A mesma fonte não tem dúvidas que “é absolutamente fundamental a industrialização que tem de ser feita de forma diferente”. Para já, destaca a medida mais sistémica que foi adotada pelos países africanos de terem criado uma Zona de Livre Comércio. Nas palavras do autor, este passo “permite estabelecer um certo protecionismo inteligente
para a agroindústria e para outros tipos de transformação que são fundamentais para criar empregos modernos e fazer com que a África entre na era das relações económicas da industrialização”.
LUSÓFONOS PODEM DAR CARTAS NAS RENOVÁVEIS
Olhando mais em específico para os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e numa altura em que assumiram a vontade de dar um cunho económico à organização, o economista guineense defende que “não vão poder posicionar-se no mundo como uma comunidade que conta se não abraçarem o digital, sendo que, estamos num caminho muito acelerado de digitalização”.
Entre as vantagens dessa digitalização destaca a desmaterialização dos serviços e determinado tipo de processos. “Se não se estiver preparado para este novo capítulo de aceleração da etapa industrial, que vai ser a desmaterialização, o português vai
ficar sucumbido pelo inglês e pelas línguas dominantes”, realça ainda. E refere que o português, neste momento, tem algumas vantagens porque o número de utilizadores de algumas das grandes plataformas digitais tem esta língua muito bem cotada por causa dos brasileiros que são muito ávidos de consumo digital e a posicionam muito acima do que seria de esperar.
Por isso, sugere que a CPLP devia “concentrar-se muito mais nesse potencial, mas também nessas dificuldades que existem no mundo digital e investir coletivamente na divulgação da língua através das plataformas digitais”.
(Artigo completo na edição impressa, Outubro-Novembro, da Forbes África Lusófona)