A gestora dos sete ofícios

Introvertida e cheia de sonhos, a moçambicana de 33 anos nasceu em Inhambane, cresceu em Maputo e, em 2005, decidiu mudar-se para África do Sul para estudar Gestão de Sistemas de Informação e Tecnologia e Gestão Financeira, pela Universidade de Kwazulu Natal. De regresso ao país, Juscelina Guirengane Quembo aposta na actividade empresarial, filia-se na…
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Empresária, especialista em programas e políticas de apoio ao empreendedorismo, activista social, mentora, palestrante, consultora de negócios e mãe, Juscelina Guirengane é uma mulher multifacetada.
Empreendedores

Introvertida e cheia de sonhos, a moçambicana de 33 anos nasceu em Inhambane, cresceu em Maputo e, em 2005, decidiu mudar-se para África do Sul para estudar Gestão de Sistemas de Informação e Tecnologia e Gestão Financeira, pela Universidade de Kwazulu Natal.

De regresso ao país, Juscelina Guirengane Quembo aposta na actividade empresarial, filia-se na Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) de Moçambique, em 2013, onde acaba por assumir a presidência, em 2017, cargo que desempenhou até Setembro:

“Esta posição permitiu-me conhecer, de forma mais profunda, as intempéries enfrentadas pelos jovens empresários no país, mas ao mesmo tempo prestar o meu contributo para deixar um legado diferenciador”, conta.

A empresária teve como ‘bandeira’ do seu mandato e uma das suas principais realizações o projecto ‘Econta’ — primeira aplicação móvel de gestão financeira 100% moçambicana, idealizado por si, destinada a micro e pequenos negócios, lançada através da ANJE.

“O Econta é um projecto lançado em 2017, visando angariar um financiamento da embaixada dos EUA para responder ao desafio de mulheres auto-empregadoras, com rendimentos mensais avaliados entre 5 a 30 mil meticais, que não conseguiam ter acesso a serviços financeiros básicos e com baixo nível de literacia financeira. A ideia é facilitar o controlo das suas contas e capacitá-las para conseguirem responder à banca sobre as suas finanças, caso desejarem contrair um empréstimo para alavancar o negócio”, explica a empreendedora à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA.

Segundo garante, os resultados do lançamento da plataforma foram “tão bons” que albergou não só mulheres como também jovens empreendedores com as características de negócios semelhantes às do público-alvo inicial.

Visivelmente orgulhosa pelo feito, indica as vantagens da plataforma que, descreve, passam por permitir que sejam registadas transacções financeiras sem que seja necessário ter-se acesso à Internet ou conhecimentos sólidos sobre contabilidade ou finanças, mesmo a partir de um telemóvel, sem as actualizações mais recentes, além de ser gratuita e produzir automaticamente relatórios financeiros. Isso, diz, contribui para a inclusão financeira e organização empresarial.

A plataforma resulta de um investimento próprio de 3,4 milhões de meticais, sendo que pouco mais de 1,6 milhões de meticais (26 mil dólares) foram financiados pela embaixada dos Estados Unidos, em Moçambique, e o restante pelo Banco Comercial e de Investimentos (BCI), Fundação para a Melhoria do Ambiente de Negócios (FAN) e Quidgest Software Plant Lda (QUIDGEST).

Desde o seu lançamento, a app já teve 1780 downloads, capacitou 4467 jovens empreendedores, dos quais 1217 mulheres. A empresária adianta que recentemente foi firmada uma parceria com a empresa SP MICROFINANÇAS que, em breve, passará a gerir e promover a aplicação ‘Econta’, garantindo que seja usada por todos os seus clientes beneficiários de créditos e outras empresas de microfinanças e microcrédito.

Em jeito de balanço, diz que enquanto presidente da ANJE realizou formações e concursos para apoiar jovens e mulheres empreendedores, bem como organizou a Conferência Nacional de Empreendedorismo, que contou com cerca de 6.150 participantes, de entre os quais, empresários, estudantes, diplomatas, governantes e outros representantes públicos, bem como membros da sociedade civil.

“É necessário que os jovens percebam, que ainda que se tenha um bom ambiente de negócios, é necessária maior qualificação para que se aproveitem as oportunidades que o próprio país é capaz de oferecer”, defende.

Com 12 anos de experiência profissional em consultoria, tendo dado os seus primeiros passos em 2008 como assistente do seu pai — professor universitário e consultor nas áreas de gestão empresarial, planificação e recursos humanos —, Juscelina Guirengane também já deu formação em informática em empresas locais.

Sobre o desempenho dos jovens empresários moçambicanos na actualidade, diz olhar, em simultâneo, com bons e maus olhos e justifica: “A maioria dos jovens empresários moçambicanos vem de famílias sem experiência empresarial e de educação formal, que não ensina ater e criar um negócio, mas a trabalhar para os outros. Há menos redes de contacto para auxiliar no processo de idealização e criação de negócios, associado aos problemas estruturais e socioeconómicos característicos do país, que agravam as dificuldades de quem quer fazer negócio ou aproveitar os recursos que o país dispõe para produzir localmente, pelo menos o necessário para a alimentação e subsistência”.

Por outro lado, apesar dos inúmeros constrangimentos que a pandemia causou às sociedades e em Moçambique, a também activista social reconhece que estas dificuldades resultantes da Covid-19 fizeram com que se acelerasse o processo de digitalização da economia no país. “Cada vez mais surgem jovens a investirem em plataformas digitais e a encontrarem formas de vender bens e serviços a partir do digital, mais contextualizados e capazes de trazer uma solução real, porque não basta copiar algo já existente nos EUA sem que seja capaz de resolver os problemas moçambicanos”, aponta.

Isto, refere, tem feito com que se deixe de usar plataformas de outros países, o que tem permitido a criação de novas empresas e empregos no país. Num olhar à desenvoltura das mulheres empresárias do seu país, manifesta-se feliz, porém desejosa de que haja maior equilíbrio empresarial entre homens e mulheres.

No entanto, defende, “isso é bom para os que se beneficiam, mas não para elas porque não têm as regalias que teriam, caso estivessem inseridas na economia formal. Porém, mesmo a nível do sector formal empresarial temos hoje muitas mulheres na linha da frente e no comando de muitas empresas, em variados sectores de actividades, que vão cada vez mais ajudando outras mulheres e a se inserirem no mercado, mostrando assim o seu potencial”.

(Artigo completo na edição impressa, Outubro-Novembro, da Forbes África Lusófona)

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