A Independência de Cabo Verde no Feminino

Independência escreve-se no feminino. Nada mais justo, se pensarmos no processo da Independência de Cabo Verde que culminou com o içar da bandeira a cinco de Julho de 1975. É certo que Amílcar Cabral é consensualmente o “pai” desta conquista, por ter liderado a luta armada na Guiné-Bissau e diplomática juntos dos parceiros internacionais e…
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Foi a 5 de Julho de 1975 que Cabo Verde conquistou a sua Independência depois de um longo processo de luta pela libertação nacional. Uma luta que também foi protagonizada por mulheres.
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Independência escreve-se no feminino. Nada mais justo, se pensarmos no processo da Independência de Cabo Verde que culminou com o içar da bandeira a cinco de Julho de 1975.

É certo que Amílcar Cabral é consensualmente o “pai” desta conquista, por ter liderado a luta armada na Guiné-Bissau e diplomática juntos dos parceiros internacionais e do próprio colonizador, Portugal. Mas o líder foi assassinado aproximadamente dois anos antes de ver Cabo Verde e a Guiné independentes. Seriam os seus companheiros de luta a celebrar em seu nome, entre eles muitas mulheres.

Não foi difícil mobilizar jovens mulheres para a causa da Independência. A fome, as desigualdades sociais, a repressão colonial alimentavam uma onda de indignação que era reforçada pelo discurso mobilizador de Amílcar Cabral.  Foi o caso de Josefina (Zezinha) Chantre que em 1969, durante os estudos em Lisboa foi abordada por elementos do PAIGC, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. “Naquele tempo eles trabalhavam na clandestinidade, por causa da PIDE que fazia um combate feroz sobretudo aos jovens estudantes das colónias que demonstravam alguma consciência social e vontade de ir aderir aos movimentos de libertação nacional”, conta Zezinha Chantre.

Na verdade, Zezinha sairia de Portugal um ano depois em 1970. Foi para a Argélia e dali para Conacry onde trabalhou, ao lado de Amílcar Cabral no quartel-general do PAIGC.

Também Amélia Araújo viria a ser convencida pelo líder da Independência, na década de 60. A cabo-verdiana fazia parte dos estudantes que tinham protagonizado a “Fuga”, a saída clandestina de jovens estudantes rumo à luta pela Independência dos seus países. Naquele tempo o marido de Amélia já era procurado pela PIDE.

A então jovem faz um curso de rádio em Moscovo e consegue levar para Conacry um transmissor de onda curta com que viria a criar a Rádio Libertação, uma importante arma de transmissão de mensagens alusivas à luta pela Independência e de mobilização de pessoas para a causa. “Depois em 1970 Cabral foi à Suécia e ofereceram-nos um emissor e um estúdio modernos, naquele tempo. A partir daí a rádio foi um sucesso, chegava a Bissau, a todos os pontos da Guiné, chegava a Cabo Verde e até houve quem nos tivesse ouvido na Europa”, recorda Amélia Araújo.

Os ecos que chegavam da Guiné faziam muitas mulheres, cabo-verdianas alistar-senas fileiras do PAIGC e viajar para a Guiné, onde exerciam mais variadas funções. “A luta armada pela Libertação Nacional que se desenrolou nas matas da Guiné não foi só dar tiros, não foi só libertar quartéis e expulsar o colonialista português. Havia todo um trabalho de backup e esse trabalho era desenvolvido por muitas mulheres. As mulheres preparavam as refeições, iam buscar água para os combatentes, serviam de mensageiras, de enfermeiras e educadoras” acentua Zezinha Chantre.

Ana Maria Cabral, viúva de Amílcar Cabral assumiu a missão da educação e do conhecimento como importantes armas de combate. Na Guiné Conacry foi professora na Escola Piloto, criada em 1964 para instruir os filhos dos combatentes e órfãos de guerra.

A escola funcionava em regime de internato, com um modelo rigoroso e regras bem específicas. Lá, as crianças aprendiam o português como língua base, tendo mais tarde sido introduzidos o francês e o inglês.

“Amílcar Cabral interessava-se muito pela Escola Piloto. Queria saber e seguir tudo. Não com o intuito de controlar, mas para saber se realmente nós tínhamos captado, bem os princípios do Partido e sabíamos transmiti-los às crianças”, recorda a então professora Ana Maria que viria a casar-se com Amílcar Cabral em 1964.

A 5 de Julho de 1975 Cabo Verde conquista finalmente a sua Independência. Os combatentes regressam ao país para construir os seus destinos. Mesmo assim, as mulheres combatentes tiveram pela frente muitas outras batalhas para travar, contra o machismo instituído e as evidentes desigualdades de género que a Independência não conseguiu evitar. O primeiro Governo do país foi formado exclusivamente por homens e assim seria até à abertura democrática em 1991. 10 anos antes, em 1981, cientes das batalhas que tinham de continuar a travar, algumas das ex combatentes, entre elas Zezinha Chantre, viriam a fundar a OMCV, Organização das Mulheres de Cabo Verde que é, até hoje, uma das instituições referência na luta pela igualdade de género e direitos das mulheres no país.

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