A trajectória inspiradora de Sarah Grace e Saulo Montrond

Na antestreia do filme Sodade em Lisboa Portugal, conversámos com Sarah Grace, escritora, realizadora e atriz, e Saulo Montrond, produtor do filme, sobre o percurso que levou à criação desta obra cinematográfica. Com um enredo que entrelaça emigração, romance proibido e amizade, o filme capta histórias humanas profundas e universais. Durante a entrevista com a…
ebenhack/AP
Entre sonhos e desafios, a escritora e realizadora Sarah Grace une talento e ousadia para dar vida ao filme Sodade, uma obra que atravessa fronteiras emocionais e geográficas. Com o apoio do produtor Saulo Montrond, o filme explora, entre outras, as complexas realidades da emigração.
Life

Na antestreia do filme Sodade em Lisboa Portugal, conversámos com Sarah Grace, escritora, realizadora e atriz, e Saulo Montrond, produtor do filme, sobre o percurso que levou à criação desta obra cinematográfica. Com um enredo que entrelaça emigração, romance proibido e amizade, o filme capta histórias humanas profundas e universais.

Durante a entrevista com a FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, Sarah Grace, que nasceu em Cabo Verde e aos 10 anos emigrou para os Estados Unidos da América, onde deu azo ao seu sonho de ser atriz, escritora e realizadora, revelou que a sua paixão pela escrita começou na infância, inspirada nas histórias contadas pela avó. “Desde criança, gostava de inventar histórias e incluía os meus primos nas narrativas que criava. Era algo natural para mim”, partilhou.

No entanto, o caminho para abraçar o cinema profissionalmente foi repleto de desafios. Após dois anos num curso de Administração de Negócios nos EUA, imposto pela família, Sarah sentiu que não estava feliz. “Decidi seguir o meu sonho e entrar em uma escola de cinema. Apesar de não ter o apoio de todos, minha mãe acreditou em mim e conseguiu uma bolsa para eu estudar, então tive de me focar e não decepcionar os meus familiares”, explicou.

Grace sublinha que a escrita e a realização são áreas que se complementam. “Quando escrevo, já imagino como vou realizar, desde as personagens até à forma como as cenas serão realizadas”, disse, destacando como essa abordagem deu uma visão única no projecto Sodade.

Desafios na construção de uma carreira

Um dos grandes desafios da sua carreira tem sido o assédio. “Ser mulher na indústria cinematográfica não é fácil, especialmente quando se tem uma aparência bonita que alguns interpretam como uma fraqueza. Sofri muito, mas usei essas experiências para fortalecer a minha determinação”, garantiu.

Sarah Grace encontra inspiração no quotidiano e em experiências pessoais. “Escrevo sobre o que vejo e vivo. Gosto de temas como insights, amizades falsas e amores perdidos, porque são histórias com as quais muitas pessoas se identificam”, afirmou.

Inspirado por Romeu e Julieta, o filme Sodade explora a emigração, uma realidade constante para os cabo-verdianos, e romances complicados por barreiras sociais e culturais. “O filme é 50% em inglês e 50% em crioulo, porque reflete a dualidade cultural de Cabo Verde e da sua diáspora”, explicou Sarah.

Com investimentos pessoais, a execução foi o maior desafio, conforme conta a escritora. “Produzir um filme requer recursos financeiros que muitas vezes não temos. Investimos do nosso bolso cerca de 100 mil dólares e enfrentámos dificuldades para captar o pôr-do-sol perfeito devido ao clima”, relatou. Contudo, os esforços valeram a pena: Sodade já arrecadou nomeações para festivais internacionais, incluindo na Nigéria, no Texas e na África do Sul.

Saulo Montrond: A visão de um produtor

Saulo Montrond, produtor e director do canal TV África, e que produziu o filme Sodade, referiu a importância de apostar na ficção como forma de destacar a televisão africana. “Sabemos que não temos os mesmos recursos que grandes produções, mas acreditamos que a ficção pode fazer a diferença”, afirmou.

Segundo Saulo, a ideia de produzir Sodade surgiu durante a pandemia de covid-19, quando Sarah o abordou. “Nunca imaginámos que alcançaríamos tanto. Já exibimos o filme nos Estados Unidos, em Cabo Verde e agora em Portugal, com uma recepção incrível”, enfatizou

O produtor cabo-verdiano sublinhou a importância do filme para a cultura do arquipélago. “O objectivo principal não é fazer dinheiro, mas abrir portas para futuras produções e mostrar o talento que temos em nossa terra”, indicou.

A antestreia em Portugal superou todas as expectativas. “A sala estava cheia, com cabo-verdianos, portugueses, angolanos e moçambicanos. O feedback foi maravilhoso, com muitos a elogiar a qualidade cinematográfica”, comentou Saulo.

O profissional contou, emocionado, que o filme Sodade é um exemplo de como o cinema pode transcender barreiras culturais e linguísticas, mostrando que o talento e a paixão são os verdadeiros protagonistas desta jornada. Com uma continuação já em desenvolvimento e filmagens previstas para Maio, Sarah e Saulo continuam a apostar num futuro promissor para o cinema cabo-verdiano.

2024: Um ano de realizações e desafios

Os protagonistas do ambicioso projecto cinematográfico Saudade, Sarah e Saulo, fazem uma reflexão sobre um período que consideram um marco nas suas vidas e carreiras. “O ano de 2024 não foi apenas sobre o lançamento de um filme, foi um mergulho profundo em sonhos, desafios e conquistas que simbolizam um avanço significativo para o cinema africano”, considerou Sarah.

Para ela, 2024 foi um ano cheio de emoções e um verdadeiro teste à sua resiliência. Ao reflectir sobre os seus projectos, destacou a importância especial de Sodade, o primeiro guia que escreveu. “Os primeiros passos são sempre os mais difíceis,” começou por dizer, também visivelmente emocionada. “Passei por muitos desafios para conseguir produzir este filme, e agora vejo como ele se transformou em algo especial para mim. É como um bebé; um sonho que parecia distante, mas que finalmente se concretizou”, acrescentou.

Para além do filme Sodade, Sarah revelou outros planos futuros, incluindo um projecto ousado que abordará a relação entre duas mulheres num contexto africano, marcado por tabus sociais. “Quero contar histórias que desafiam pensamentos, mesmo sabendo que nem todos vão gostar. O importante é abrir diálogos e levar as pessoas a reflectirem”, referiu.

Para Saulo, 2024 foi “brutal” em vários sentidos. Destacou o sucesso de Sodade, um projecto que demorou três anos para ser concluído. “O ano de 2024 foi o culminar de um trabalho árduo, que começou como um sonho e se tornou realidade. Ver o filme estrear e ganhar reconhecimento em Cabo Verde, Estados Unidos, Portugal e na Suíça é algo indescritível”, classificou.

Saulo considera que o lançamento de Sodade representa um ponto de viragem, tanto para a produtora como para o cinema africano. “Estamos a expandir a nossa visão estratégica. O filme foi bem recebido, o que nos dá confiança para avançar com novos projectos”, destacou.

O feedback positivo do público foi, para ele, especialmente motivador. “Saber que as pessoas se identificam com a história e que somos a inspirar outros artistas é gratificante. É este tipo de resposta que faz tudo valer a pena”, considerou.

A nível pessoal, Saulo expressou gratidão pelas aprendizagens e conquistas ao longo do ano. “Produzir uma longa-metragem pela primeira vez foi um desafio enorme, mas o apoio da equipa, dos amigos e da família foi crucial”, referiu.

Olhar para o futuro com ambições

Ambos sublinharam a importância de fomentar colaborações entre países africanos e outros territórios de língua portuguesa. “Queremos construir uma indústria cinematográfica africana forte, que possa contar as nossas histórias de forma autêntica”, disse Sarah. A realizadora revelou ainda planos para produzir uma série televisiva, envolvendo talentos de Cabo Verde, Angola, Moçambique e Portugal.

Saulo reforçou: “A união dos melhores talentos de cada país, com a infra-estrutura que estamos a desenvolver, tem um potencial incrível. Queremos inspirar e abrir caminhos para novos criadores africanos, queremos mostrar que há muito mais no nosso continente além dos estereótipos de pobreza e fome. Através do cinema, podemos contar histórias ricas em cultura, emoção e humanidade”, concluiu.

Mais Artigos