“O acesso às divisas não deve ser o único factor de concorrência no mercado bancário”, entende Mário Ferreira do Nascimento, presidente de direcção da ABANC – Associação Angolana de Bancos, reagindo à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA a Directiva do Banco Nacional de Angola (BNA) que orienta os players a repassarem ao mercado interbancário 30% das divisas que compram às empresas petrolíferas e diamantíferas na plataforma Bloomberg FXGO.
Na visão do líder da ABANC, a emissão, em Setembro último, pelo banco central da referida Directiva “procura sanar uma disfunção no mercado cambial”, que é o acesso de todos os operadores bancários à compra de divisas, abrindo a possibilidade dos bancos acederem a compra das mesmas.
“Neste sendo, a ABANC recebeu com agrado esta Directiva, pois entende que todos os bancos devem ter acesso as dívidas e que elas não devem ser o único factor de concorrência no mercado bancário”, referiu.
Mário Nascimento disse esperar que com a implementação da Directiva possa haver uma maior estabilidade na oferta de divisas aos clientes bancários, “uma vez que mais bancos terão divisas para disponibilizar aos seus clientes”, negando, no entanto, a tese que alguns players tem levantado sobre a existência de alguma injustiça neste capítulo.
“Não direi que seja uma questão de justiça ou injustiça. O que se passa é que os operadores petrolíferos e diamantíferos, dentro da liberdade contratual que dispõem, escolhem quem são as suas contrapartes, ou seja, escolhem com que bancos vão trabalhar e estabelecer relações comerciais, o que implica que não vendem a todos os bancos, mas apenas aqueles que eles decidem estabelecer relações comerciais”, clarificou.
“Não direi que seja uma questão de justiça ou injustiça. O que se passa é que os operadores petrolíferos e diamantíferos, dentro da liberdade contratual que dispõem, escolhem quem são as suas contrapartes.”
Mário do Nascimento
De resto, isto mesmo já havia sido dito recentemente à FORBES pelo governador do BNA, numa entrevista conjunta com a Rádio LAC – Luanda Antena Comercial. Segundo Manuel Tiago Dias, existem regras de participação na plataforma que são estabelecidas pela Bloomberg.
Ao nível do Banco Nacional de Angola, explicou, o que está determinado é que cada actor do lado da oferta, no caso, as companhias petrolíferas e diamantíferas, devem ter pelo menos três contrapartes, ou seja, devem escolher pelo menos três bancos comerciais com quem devem transacionar, sem que, no entanto, haja qualquer intervenção do banco central.
“As companhias são livres de escolher as suas contrapartes, porque há aí critérios de compliance que devem ser observados. Agora, o que nós sabemos também é que há instituições financeiras que sempre trabalharam com as companhias petrolíferas e diamantíferas. Quer dizer que, acho, as questões de compliance já foram feitas mais lá para trás. Estabeleceram-se relações de confiança entre estas instituições financeiras e as empresas”, frisou o governador.
Porém, Tiago Dias disse ser “natural” que neste cenário os bancos não tenham igualdade de circunstâncias perante as companhias petrolíferas, “que particularmente são extremamente exigentes”, reiterando não ser esse um tema do Banco Nacional de Angola, tendo sim a ver com as regras do mercado. “Contrariamente ao que se diz, não é ‘taxa do BNA’ não. É uma taxa resultante do mercado e é essa taxa que o Banco Nacional de Angola divulga”, precisou.
De acordo com o ‘homem forte’ do órgão regulador do mercado bancário, há tempos, o BNA teve de excepcionalmente intervir no mercado cambial para atender a uma necessidade do Ministério das Finanças que, embora possua recursos em moeda estrangeira, precisa também de kwanzas, daí a participação também do Tesouro na plataforma da Bloomberg.
“Mas, há aquelas situações de urgência em que o Ministério das Finanças não tem tempo para ir para à plataforma e então vende ao BNA, e isso também está previsto nos nossos regulamentos. O Ministério das Finanças vendeu-nos 100 milhões de dólares, nós olhámos para a nossa posição de reservas internacionais e concluímos que havia espaço para nós também vendermos 100 milhões. Então, esses 200 milhões [de dólares] foram alocados a todos os bancos, sem excepção”, garante.
Directiva procura equidade

Analisando a Directiva 05/24 que vigora desde 14 de Setembro último, o economista Quingila Hebo considera que o que levou o banco central angolano a tomar tal medida é assegurar que, num cenário de pouca disponibilidade de divisas, todos os bancos possam ter acesso e atender os seus clientes.
“Hoje há bancos que quando um cliente solicita divisas dizem logo que não têm, há outros que dão esperanças, mas o tempo de espera e a taxa de câmbio praticada são absurdos. Essa medida vem assegurar que as divisas circulem entre os bancos e todos consigam atender os pedidos dos seus clientes”, aponta.
Quingila considera ser esta “uma óptima medida” adoptada pelo BNA, olhando para mesma em duas perspectivas, na do cliente e do negócio. Para o também jornalista, na perspectivas do cliente é uma óptima medida, porque permitirá que clientes de bancos de menor dimensão que tinham dificuldades de acesso a divisas agora possam também ter. Noutra perspectiva, a do negócio, Hebo antevê que “os maiores bancos vão perder uma parte do negócio que era altamente lucrativo”, por serem os únicos que disponibilizavam divisas aos seus clientes.
O resultado esperado dessa medida é acabar com a concentração de divisas em determinados bancos, assegurar maior circulação dessas divisas na banca e consequentemente nos clientes, destaca o economista, acrescentando que a situação poderá resultar numa redução da taxa de câmbio ou, na pior das hipóteses, numa aproximação da taxa de câmbio do mercado informal ao do mercado formal.
“A margem financeira resultante de operações cambiais poderá reduzir porque a taxa de câmbio do mercado interbancário não é igual à praticada ao cliente final.”
Quingila Hebo
Além de maior justiça no acesso a divisas no mercado interbancário, da possibilidade de os bancos de menor dimensão garantirem acesso a divisas aos seus clientes e da possibilidade da redução da taxa de câmbio, numa economia que depende de importações, Quingila Hebo entende que maior acesso a divisas e uma redução da taxa de câmbio pode ter reflexos na importação de mais bens e serviços, o que significa também mais oferta de bens e serviços. “E isso poderá resultar numa redução dos preços. Entretanto, o ideal seria uma maior oferta de produtos made in Angola para que não seja preciso importá-los, mas uma maior oferta de produtos importados pode ter reflexos na redução dos preços no mercado”, conclui.
No mesmo pensamento alinha um outro especialista em assuntos financeiros da praça, que preferiu não ser identificado, para quem a Directiva do BNA tem por objectivo trazer um maior equilíbrio para o mercado cambial, através da “redistribuição” de parte das divisas adquiridas pelos bancos que trabalham com o sector petrolífero e diamantífero, pelos bancos que não trabalham com estes sectores.
Entretanto, o especialista alerta que o limite de repasse obrigatório de 30% deve ter em conta também o limite da posição cambial de 10% dos fundos próprios regulamentares, tal como orienta artigo n.º 2 do Aviso 13/22. O referido Aviso recomenda “os bancos comerciais a observarem, diariamente, uma posição cambial que não exceda os 10% dos seus fundos próprios regulamentares, independentemente de a posição ser longa ou curta”.
Na prática, um banco com um limite de posição cambial de 5 milhões de dólares e que adquira 8 milhões de dólares, deve repassar para o mercado interbancário 3 milhões de dólares, ao abrigo do Aviso 13/22, e 1,5 milhões, ao abrigo da Directiva 05/24, perfazendo um total de 4,5 milhões de dólares.
De acordo com dados sobre a evolução do mercado cambial no primeiro semestre do ano em curso disponibilizados pelo Banco Nacional de Angola, no que tem que ver com a compra de moeda estrangeira, os bancos comerciais terão adquirido divisas equivalente a 5 076,2 milhões de dólares, representando um aumento de cerca de 29,3% comparativamente ao semestre anterior e uma redução de 14,4% face o período homólogo de 2023.
Com excepção do sector diamantífero, reporta o relatório consultado pela FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, os demais disponibilizaram aos bancos divisas em montantes superiores, destacando-se o Tesouro Nacional cujo aumento foi de 733,6 milhões de dólares (384,3%), seguido do sector petrolífero com 189,6 milhões face ao semestre anterior, embora se tenha registado uma contracção relativamente ao período homólogo.
No período em análise o BNA, de forma pontual, colocou ao mercado recursos na ordem de 289,6 milhões, representando um aumento de 189,6 milhões de dólares face ao semestre anterior e uma redução de 142,7 milhões de dólares comparativamente a igual período de 2023 (ver tabela).

Estimativa feita pela FORBES, com base nos dados da tabela acima, permitem calcular que, caso a medida do repasse dos 30% das divisas adquiridas pelos bancos comercias já estivesse a vigorar no primeiro semestre, teriam sido repassados ao mercado interbancário no período em referência cerca de 855,3 milhões de dólares, numa média de 142,5 milhões de dólares por mês.