Adeus ao 4 de Fevereiro: o dia em que a TAAG mudou de morada

Criada em 8 de Setembro de 1938, ainda sob a designação de Divisão dos Transportes Aéreos (DTA), a hoje conhecida TAAG – Linhas Aéreas de Angola iniciou as suas operações no então modesto aeroporto de Luanda dois anos mais tarde, em 1940. Os aviões tinham nomes de outra época – Dragon Rapide, Klemen, Leopard Moth…
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Era quase meia-noite de Domingo, quando o último Boeing 777-300ER da TAAG levantou voo do Aeroporto 4 de Fevereiro. Lá em baixo, ficavam as luzes, as memórias e 85 anos de história. No horizonte, o aeroporto de Icolo e Bengo acendia as luzes do futuro.
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Criada em 8 de Setembro de 1938, ainda sob a designação de Divisão dos Transportes Aéreos (DTA), a hoje conhecida TAAG – Linhas Aéreas de Angola iniciou as suas operações no então modesto aeroporto de Luanda dois anos mais tarde, em 1940. Os aviões tinham nomes de outra época – Dragon Rapide, Klemen, Leopard Moth – e as primeiras rotas ligavam Luanda a Lobito, Moçâmedes e Ponta Negra. Era o início de uma longa viagem que atravessaria guerras, independência, reestruturações e renascimentos.

Oito décadas e meia depois, o som dos motores no aeroporto 4 de Fevereiro soou pela última vez com o logótipo da TAAG na pista. Na noite de 19 de Outubro de 2025, a companhia de bandeira angolana concluiu a transferência total das suas operações para o Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto (AIAAN), na província de Icolo e Bengo – uma mudança logística e emocional, carregada de simbolismo para um país que aprendeu a sonhar pelos ares.

O ambiente das últimas horas de Domingo no velho aeroporto era de nostalgia pura para os clientes da companhia. Entre malas, despedidas e abraços, percebia-se no ar uma mistura de ansiedade e ternura. Passageiros, funcionários, jornalistas e curiosos partilhavam a sensação de que estavam a viver algo irrepetível. Havia quem estivesse ali apenas para ver o último voo da TAAG partir, como quem se despede de um amigo antigo.

O empresário Evandro Jerónimo, com bilhete para Lisboa, era um dos passageiros. “Como qualquer novo desafio, o começo tem sempre os seus receios”, dizia, sorrindo, antes do embarque. “Mas este aeroporto já cumpriu o seu tempo. O novo é mais moderno, tem mais espaço, é o futuro.”

Evandro Jerónimo, passageiro.

Evandro, que conheceu os atrasos e as filas do 4 de Fevereiro, confessava estar confiante de que encontrará no AIAAN uma experiência melhor. “A minha expectativa é muito positiva”, concluiu.

Às 23h50, o Boeing 777-300ER “rugiu” uma última vez sobre a pista de Luanda, com cerca de 170 passageiros a bordo. A bordo ia também Isabel Braz, que, emocionada, descrevia o momento como um marco na história da aviação nacional. “Estamos a marcar um passo muito grande e um orgulho enorme. Acredito que, a partir de agora, a história da aviação em Angola já não será a mesma, será muito melhor.”

Cliente fiel da TAAG, Isabel via na mudança mais do que modernização: via evolução. “A companhia de hoje não é a mesma de há cinco anos. Melhorou muito. E as novas infra-estruturas vão impulsionar ainda mais esse crescimento”, afirmou.

Isabel Braz, passageira.

Entre os presentes, Frederico Catihe revivia as suas primeiras viagens aéreas – a primeira em 1982, num avião da TAAG, também a partir do “4 de Fevereiro”. “Foi aqui que comecei a voar”, contou, emocionado. “Agora, sair daqui pela última vez com a nossa TAAG é uma mistura de alegria e nostalgia.”

Catihe, que se fazia acompanhar da esposa, espera que o novo aeroporto seja mais do que um símbolo. “Espero que ofereça melhores serviços e que nós, utentes, saibamos cuidar daquelas instalações. O AIAAN está bonito. É o nosso cartão de visita.”

Na sua voz, ouvia-se o orgulho de quem cresceu com uma companhia e agora testemunhava o seu amadurecimento. “Que este novo aeroporto traga mais turistas, mais movimento, mais Angola para o mundo”, desejou.

Frederico Catihe, passageiro.

Um passo histórico e estratégico

Para as autoridades, a transferência das operações da TAAG representa muito mais do que emoção. É um acto de planeamento e estratégia. Segundo a companhia, o novo aeroporto, gerido provisoriamente pela ATO – Airport Temporary Operator, permitirá ganhos expressivos em eficiência operacional, gestão de frota e qualidade de serviço.

Com a mudança, a TAAG reforça o plano de transformar Luanda e Icolo e Bengo num hub aéreo de referência na África Austral, posicionando Angola como ponto estratégico de ligação entre continentes.

Desde 19 de Outubro, todas as rotas – Lisboa, São Paulo, Joanesburgo, Cidade do Cabo, Lagos, Windhoek, São Tomé, Maputo, Nairóbi, Porto e Havana – passaram a ser operadas exclusivamente a partir do AIAAN. A companhia recomenda aos passageiros que planeiem com antecedência a deslocação ao novo terminal, localizado no Bom Jesus, província de Icolo e Bengo.

No adeus ao velho aeroporto, o PCA da TAAG, Clóvis Martins Rosa, nomeado em Abril de 2025, fez questão de acompanhar o embarque do último voo. Entre apertos de mão e palavras de incentivo à tripulação, destacou: “O caminho faz-se caminhando, e a transição era necessária. A transformação da companhia está a acontecer. Este é um passo muito importante. Não o daríamos sem garantir o conforto e a segurança dos nossos passageiros.”

Clóvis Martins Rosa, PCA da TAAG, falando à imprensa, na pista do aeroporto 4 de Fevereiro.

Do lado técnico, a companhia assegurou que, durante o período de transição, haverá serviço de shuttle (transporte) entre os dois aeroportos para passageiros em trânsito, garantindo conexões sem transtornos.

Na cabine do último voo, Jorge Valente, piloto veterano com mais de quatro décadas de serviço, conduzia o Boeing 777 com a serenidade de quem já viu tudo. “Não há nada de transcendental. É apenas mudar de aeroporto”, disse com simplicidade. Mas nos seus olhos, a calma escondia um brilho de quem sabia estar a fechar um capítulo.

O primeiro voo intercontinental do novo tempo

Horas depois, já em Icolo e Bengo, o novo aeroporto ganhava vida. O primeiro voo intercontinental a aterrar no Aeroporto Dr. António Agostinho Neto vinha de Lisboa e trazia 279 passageiros. À chegada, aplausos, música e lembranças de boas-vindas.

Horas antes, já tinham aterrado voos vindos de Joanesburgo, Kinshasa, Brazzaville e Lagos, consolidando a transferência total das operações. Tudo correu conforme o planeado, validando meses de preparação logística e técnica.

O AIAAN é, agora, a nova casa da aviação angolana e promete ser uma das mais modernas infra-estruturas do continente. Com capacidade para 15 milhões de passageiros por ano, duas pistas paralelas – uma delas apta a receber Airbus A380 – e um terminal de 178 mil metros quadrados, o aeroporto foi pensado para o futuro.

Há espaço para voos domésticos e internacionais, um terminal presidencial e protocolar, 13 plataformas de estacionamento e 27 taxiways. O empreendimento deverá gerar mais de 500 empregos directos nas suas três fases de desenvolvimento.

Com 62 anos de idade, o piloto Jorge Valente comandou o último avião da TAAG que descolou da pista de Luanda.

Entre o passado e o futuro

Na noite de Domingo, quando as luzes do novo aeroporto se acenderam em pleno, muitos ainda olhavam para trás, para a pista do 4 de Fevereiro – o mesmo asfalto que viu partir aviões da companhia angolana de bandeira durante a luta pela independência, a reconstrução e o regresso de tantos angolanos à terra natal.

A TAAG encerra ali um ciclo de 85 anos e abre outro, num lugar que simboliza progresso e ambição. A aviação angolana, que começou com aviões de hélice e pistas de terra batida, voa agora em direcção ao futuro com motores de alta potência e sonhos mais altos. E como disse um passageiro ao embarcar no último voo daquela noite: “O 4 de Fevereiro foi o berço. O AIAAN é o futuro. Mas o céu, esse, será sempre o mesmo.”

O encerramento das operações da TAAG no Aeroporto 4 de Fevereiro não foi apenas uma mudança de endereço. Representou um ponto de viragem para a aviação angolana, que aposta na modernidade e na eficiência do novo hub Dr. António Agostinho Neto para reforçar o papel de Angola na conectividade africana.

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