África Reivindica o seu Lugar no Mapa Global

Quando Selma Malika, vice-presidente da Comissão da União Africana (UA), afirmou recentemente que “o mapa de Mercator dá a ideia falsa de que África é marginal”, não estava apenas a falar de cartografia. Estava a desafiar uma herança de séculos de representação distorcida, que contribuiu para moldar narrativas de inferioridade e marginalização. A posição oficial…
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União Africana apoia movimento internacional para corrigir distorções cartográficas que influenciam há séculos a forma como o mundo vê o continente e Selma Malika propõe uma nova visão.
Economia

Quando Selma Malika, vice-presidente da Comissão da União Africana (UA), afirmou recentemente que “o mapa de Mercator dá a ideia falsa de que África é marginal”, não estava apenas a falar de cartografia. Estava a desafiar uma herança de séculos de representação distorcida, que contribuiu para moldar narrativas de inferioridade e marginalização.

A posição oficial da UA soma-se a uma campanha internacional que ganha força: a iniciativa Correct the Map, promovida por Africa No Filter e Speak Up Africa, que defende a adopção da projecção Equal Earth, mais fidedigna às proporções reais dos continentes. Trata-se de um movimento que vai além da geografia – é uma questão de identidade, poder e posicionamento global.

Publicado pela primeira vez em 1599 pelo cartógrafo flamengo Gerardus Mercator, o famoso mapa foi desenhado para servir a navegação marítima. O objectivo era facilitar rotas e cálculos em plena era das grandes descobertas. No entanto, ao esticar as áreas próximas dos polos, a projecção aumentava de forma desproporcional a Europa, a América do Norte e a Gronelândia, enquanto diminuía a dimensão dos continentes situados no equador, designadamente África e América do Sul.

Essa distorção visual, aparentemente técnica, não foi neutra. Durante séculos, alimentou perceções de centralidade europeia e de marginalidade africana, influenciando o ensino, a política internacional e até as relações económicas.

“recuperar o lugar que África merece no cenário internacional não é apenas um acto de justiça histórica, é uma estratégia de futuro.”

A realidade em números

O contraste entre mapa e realidade é flagrante. África é o segundo maior continente do planeta, com mais de 30 milhões de km², superando em área a soma da China, Índia, Estados Unidos e grande parte da Europa juntos. Abriga mais de 1,4 mil milhões de pessoas, distribuídas por 55 países, e possui uma economia combinada que ultrapassa os 2,5 biliões de euros.

No entanto, nas representações tradicionais, o continente aparece “encolhido”, projectado como periferia do mundo, quando, na verdade, concentra 60% das terras aráveis não cultivadas do planeta, vastas reservas minerais estratégicas e um dos maiores potenciais de crescimento demográfico e económico deste século.

Para os promotores da campanha, corrigir o mapa não é apenas uma questão simbólica, mas estratégica. “A projeção de Mercator exagera artificialmente o tamanho da Europa e da América do Norte, enquanto reduz o tamanho de África, reforçando uma narrativa de marginalidade”, observa a Oxford Economics.

Ao apoiar esta mudança, a União Africana busca não apenas reposicionar o continente na cartografia, mas também afirmar um novo lugar no imaginário global. Trata-se de combater séculos de sub-representação e projetar África como centro de oportunidades, inovação e crescimento.

Do mapa para a economia global

O debate sobre cartografia conecta-se directamente à forma como África é percebida nos grandes centros de decisão política e financeira. Uma representação que reduz a sua dimensão contribui para subestimar o peso real do continente em cadeias de valor globais, nos fluxos de investimento e no desenho de estratégias económicas internacionais.

Corrigir o mapa é também corrigir percepções. De um continente visto historicamente como “carência”, para um continente reconhecido pelo seu papel estratégico em energia, transição verde, recursos críticos e capital humano jovem e em expansão.

O apoio da União Africana à iniciativa Correct the Map coincide com um momento de crescente pressão internacional por reconhecimento dos impactos persistentes do colonialismo e da escravatura. Ao colocar a questão cartográfica no centro do debate, África envia uma mensagem clara de que as narrativas importam,c e redefini-las é parte do processo de afirmação global.

Como sublinha Selma Malika, “recuperar o lugar que África merece no cenário internacional” não é apenas um acto de justiça histórica, é uma estratégia de futuro.

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