Na capital cabo-verdiana, os cortes de energia repetem-se há cerca de três semanas, deixando famílias sem alternativa para conservar alimentos, obrigadas a viver entre noites às escuras e o risco de usar velas como iluminação, enquanto os comerciantes acumulam prejuízos.
“Às seis da manhã (08:00 em Lisboa) já não há electricidade. Às vezes só volta às 14:00. Depois vai novamente e pode regressar só à meia-noite. Isso tem acontecido há mais de três semanas e todos os dias”, relata à Lusa Maria de Fátima, de 65 anos, residente no bairro de São Pedro.
Reformada, Maria de Fátima cuida de um filho com deficiência, mas os cortes complicam-lhe a vida, deitando fora todos os congelados estragados.
“O meu filho é surdo e mudo, passava o tempo entretido com a televisão, mas agora anda pela rua. Explico-lhe que nada podemos fazer”, acrescenta. Além disso, o frigorífico deixou de funcionar e receia que a causa da avaria podem ser as constantes falhas de energia.
“É insuportável estar em casa, muito menos dormir com o calor. Uso velas [como iluminação], mas é perigoso, qualquer descuido pode causar um incêndio”, descreve.
Há três semanas que Maria de Fátima não consegue cuidar da roupa: “ponho-a na máquina, mas antes de [a lavagem] terminar, já não há electricidade”.
Neisa Cabral, 40 anos, da zona de Calabaceira, vende sopa nas ruas da capital para sustentar os três filhos, mas conta que perdeu quase 50 quilos de carne guardados para o negócio, um prejuízo de cerca de dez mil escudos (90,69 euros).
“Levanto-me às quatro da manhã para fazer sopa, à luz de velas. Estou prejudicada porque é dinheiro que, por exemplo, podia aproveitar para comprar materiais escolares aos meus filhos, que ainda nem puderam ir à escola. Tenho que duplicar as vendas para conseguir [o mesmo valor], mas, sem electricidade, está difícil”, conta.
Loriana Garcia, 27 anos, residente em Achadinha, também deitou parte das compras do mês (todos os congelados) para o lixo e, por receio, em vez de usar velas, prefere a luz do telemóvel para não ficar às escuras – mas arrisca-se a ficar sem bateria para as telecomunicações.
“As ruas tornam-se ainda mais perigosas, pode haver mais assaltos”, acrescenta. Na Várzea, Luciene Semedo, de 18 anos, divide o tempo entre uma padaria e vendas online.
Os alimentos estragaram-se, a mãe, costureira, não conseguiu entregar encomendas e até o telemóvel deixou de ser ferramenta de trabalho.
“As novelas à noite eram a minha distração. Agora, não há luz, nem para isso”, conta, entre risos resignados. Já José Afonso, 56 anos, emigrante em Portugal, mas de férias no Palmarejo, Praia, diz que nunca viu nada igual. “A luz vai durante o dia e só volta à noite”, lamenta, considerando que nem deveria haver factura de electricidade, este mês.