Numa extensa entrevista exclusiva à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, Gong Tao, embaixador da China acreditado em Angola, fala do presente da cooperação entre os dois países e perspectiva o futuro. Entre vários assuntos, o diplomata aborda a dívida angolana para com a China e a qualidade das obras realizadas por empresas chinesas no país que detém a maior economia entre os lusófonos africanos.
Como caracteriza o actual momento das relações entre China e Angola, nos mais variados domínios?
Em 2018, o Presidente angolano João Lourenço foi convidado a participar na Cimeira de Beijing do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC). Após a cimeira, o Presidente João Lourenço foi o primeiro Chefe de Estado africano a efectuar a visita de Estado à China. Presidente Xi Jinping reuniu-se com ele por duas vezes. Nos últimos anos, os dois Chefes de Estado têm mantido comunicação estreita, através de conversas telefónicas e cartas, alcançando importantes consensos e liderando em conjunto o desenvolvimento das relações bilaterais.
O ambiente para os negócios entre os dois países é favorável?
A China está disposta a trabalhar com Angola para criar um bom ambiente para a cooperação entre as empresas dos dois países, expandir constantemente os campos de cooperação, inovar métodos de cooperação, promover a transformação e actualização da cooperação económica e comercial China-Angola, com o fim de promover o desenvolvimento comum.
Como é que está a ser tratada a problemática da dívida de Angola para com a China?
Ambas as partes [China e Angola] têm um entendimento objectivo e claro sobre o chamado problema da dívida bilateral. A China tem sempre defendido a visão correcta de justiça e interesse em lidar com empréstimos, alívio da dívida e outras questões relevantes com os países africanos e tem usado acções práticas para incorporar o conceito de os princípios de “sinceridade, efetividade, afinidade e boa-fé”. Desde o ano 2020 que a China começou a implementar activamente a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI – do inglês Debt Service Suspension Initiative) do G20 e apoiado activamente o importante consenso do G20 sobre a extensão da iniciativa de alívio da dívida até o final do ano.
Mais existem elementos práticos disto que o senhor chama de “entendimento objectivo e claro”?
O Banco de Exportação-Importação da China (Exim Bank of China) e o Ministério das Finanças angolano chegaram recentemente a acordo sobre a questão, ou seja, chegaram a um acordo para a mitigação da dívida. Além disso, o China Development Bank e o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) seguiram também a iniciativa de mitigação da dívida e chegaram a acordo com o lado angolano. Actualmente os acordos estão na fase de implementação de forma harmoniosa.
O facto de a riqueza angolana, um dos principais parceiro económicos da China em África, ter caído nos últimos anos preocupa-vos?
O desenvolvimento económico é cíclico. Percebemos que os cálculos da economia angolana e do PIB demonstraram uma tendência decrescente por cinco anos consecutivos. Porém, também notamos que a estrutura económica angolana se alterou durante este processo, a dependência de petróleo tem diminuído ano a ano, enquanto o ambiente de negócios tem evoluído de forma constante. Tudo isto vão consolidar bons alicerces à economia angolana após retomar o crescimento.
Actualmente, a Covid-19 continua a afectar negativamente o crescimento económico mundial. Vários fatores de instabilidade e incerteza estão a aumentar. Por mais que mude o ambiente externo, China e Angola são sempre irmãos e parceiros.
Quer com isso dizer que o comportamento da economia angolana nos últimos anos não afecta as relações económicas com a China?
A China apoia Angola, independente de um caminho de desenvolvimento que se adapte às suas próprias condições nacionais, e está optimista com as perspectivas de desenvolvimento angolano, sempre confiante no futuro desenvolvimento da cooperação China-Angola. A China está disposta a trabalhar com Angola para prevenir e controlar os riscos, promover de forma constante o desenvolvimento saudável e sustentável da cooperação entre ambos os países e levar a parceria estratégica para um patamar mais elevado. A China está a construir um novo padrão de desenvolvimento, tendo o grande ciclo doméstico como elemento principal e os ciclos duplos doméstico e internacional se promovendo. A China continuará a apoiar o desenvolvimento e a educação da juventude de Angola e encorajará as empresas chinesas em Angola a aproveitarem vantagens tecnológicas e know-how para ajudar Angola a cultivar mais talentos em vários campos, a ajudar-se mutuamente o desenvolvimento com benefícios recíprocos.
As políticas económicas que o Estado angolano vem adotando dão então esta confiança à China…
Angola continua a apostar na estratégia de reforma, abertura, e diversificação económica. A cooperação China-Angola encontra assim novas oportunidades de desenvolvimento. A 8ª Conferência Ministerial do Fórum de Cooperação China-África foi solenemente inaugurada em Dakar, no Senegal, a 29 de Novembro do ano passado e coincidiu com o calendário que vai apontar nos rumos para o desenvolvimento económico e comercial de alta qualidade e sustentável da cooperação China-África e China-Angola.

Fala-se que há muito que a China deixou de emprestar dinheiro ao Governo angolano e passou a financiar apenas, de forma directa, empresas chinesas que operam em Angola. Confirma este dado?
A cooperação financeira entre as instituições financeiras chinesas e Angola tem contribuído para a melhoria de infra-estruturas de energia, transporte, saúde, educação e habitação de Angola, apoiando fortemente o desenvolvimento socioeconómico do país. Nesse momento, os projectos estruturantes financiados pelos bancos chineses, como a Barragem de Caculo Cabaça, Novo Aeroporto Internacional de Luanda, Porto do Caio, estão a ser avançados de maneira ordenada. A parte chinesa tem atribuído alta importância à cooperação de investimento e financiamento com os países africanos. O Chefe de Estado Chinês, S. Ex.ª Xi Jinping, anunciou na cerimónia de abertura da 8a Conferência Ministerial do FOCAC que, nos próximos três anos, a China disponibilizará uma linha de crédito de 10 mil milhões de dólares a instituições financeiras de África para apoiar o desenvolvimento das PME do continente e disponibilizará ainda outro financiamento para o comércio de igualmente de 10 mil milhões de dólares para apoiar a exportação de África para a China. A China disponibiliza-se em canalizar também aos países africanos 10 mil milhões de dólares das quotas dos Direitos Especiais de Saque vinda da nova alocação do FMI.
Isso para beneficiar os governos africanos, certo?
O beneficiário desses recursos não serão apenas os governos dos países africanos, como também instituições financeiras e empresas de África.
São várias as empresas chinesas, algumas das quais de capitais públicos, a explorarem o mercado angolano. Estas empresas não têm encontrado constrangimentos na hora do repatriamento de capitais?
Segundo as empresas chinesas com investimento em Angola, neste momento basicamente já não se encontram constrangimentos no repatriamento de capitais, com excepção de apenas algum atraso na aquisição de divisas para pagamento de equipamentos e matéria-prima ao exterior. Em 2019, o Banco Nacional de Angola publicou a nova regulamentação aplicável aos investimentos estrangeiros, eliminando a necessidade de licenciamento no repatriamento de dividendos. De forma geral, a importação de materiais e repatriamento de dividendos é normal.
Há quem questione a qualidade de obras executadas por empresas chinesas em Angola e também a exploração da mão-de-obra barata angolana. Como a embaixada tem olhado para essas situações?
A China é poderosa em construção de infra-estruturas e um grande país de manufactura industrial. A China possui a maior rede de comboio de alta velocidade e a tecnologia mais avançada em infra-estrutura do mundo e é a líder mundial em capacidade e tecnologia de construção de infra-estrutura. Os produtos industriais chineses são de alta qualidade, com bom preço e forte competitividade de mercado. Recomendo-lhe um documentário “China’s Mega Projects”.
Acabou por não responder a minha questão…
É totalmente injusto apontar os produtos chineses como material de má qualidade. Claro que existem muitos projectos de cooperação China-Angola e alguns problemas são inevitáveis. As duas partes podem resolver os problemas de acordo com as disposições pertinentes do contrato, através de negociação amigável e arbitragem da terceira parte. De facto, algumas empresas chinesas já assim fizeram, e os donos da obra não levantaram contestações. Angola é um importante país do Sudoeste Africano e um dos países mais jovens na estrutura populacional mundial. Como transformar a enorme população jovem na força motriz do desenvolvimento futuro é a chave para o desenvolvimento económico de Angola na era pós-epidemia. Desde a reforma e abertura em 1978, a China fortaleceu os intercâmbios internacionais, introduziu experiência avançada, ciência, tecnologia, know-how e financiamento dos países desenvolvidos, aproveitou a quantidade de mão-de-obra e alcançou um rápido desenvolvimento. Esta experiência pode ser uma referência.
Quais são as perpectivas e expectativas para 2022?
As economias da China e Angola são altamente complementares e existe uma ampla perspectiva de cooperação económica. Actualmente, a China está a estabelecer um novo padrão de desenvolvimento de “dupla circulação”, no qual o ciclo económico doméstico desempenha um papel de liderança, enquanto o ciclo económico doméstico e internacional podem impulsionar-se mutuamente. Angola continuar a dedicar-se às reformas e diversificação económica. Como já referi, na 8ª Conferência Ministerial do FOCAC o Presidente Xi Jinping anunciou que nos próximos três anos, a China trabalhará em estreita colaboração com os países africanos para implementar nove programas, que incluem as áreas da saúde, redução da pobreza, desenvolvimento agrícola, promoção de comércio e investimento, inovação digital, desenvolvimento verde, criação de capacidade, intercâmbio cultural e pessoal, paz e segurança, que introduz novas oportunidades de desenvolvimento para a cooperação China Angola.
LEIA MAIS NA EDIÇÃO IMPRESSA FEVEREIRO-MARÇO DA REVISTA FORBES ÁFRICA LUSÓFONA