Chega à Presidência após um ciclo marcado por múltiplos desafios. Qual o balanco que faz destes primeiros meses de governação e que sinais concretos quer dar ao país e à comunidade internacional sobre a forma como pretende governar?
É verdade que assumo a Presidência num contexto profundamente desafiante. Este é, sem dúvida, o primeiro Governo da nossa história democrática a iniciar um ciclo de governação num ambiente tão adverso e complexo. As manifestações violentas que ocorreram entre Outubro do ano passado e Janeiro de 2025 foram o ponto de viragem. Deram um golpe duro à nossa economia, acentuaram a polarização social e deixaram o país num estado de grande vulnerabilidade. Mas os momentos difíceis não intimidam líderes comprometidos, desafiam-nos. Assumo este desafio com coragem, com sentido de missão e com uma determinação firme em liderar a mudança e a renovação que Moçambique exige. O balanço destes primeiros meses é realista e construtivo. Conseguimos vitórias importantes, mas também tomámos plena consciência da profundidade das forças de bloqueio e dos interesses instalados que resistem à mudança. Toda a transformação gera tensão. E esta tensão é o termómetro do quanto precisamos avançar. O sinal que deixamos ao país e à comunidade internacional é inequívoco: este Governo tem uma agenda clara de mudança, com prioridade no desenvolvimento sustentável, na inclusão e na boa governação. Para concretizar essa visão, contamos antes de tudo com os moçambicanos, independentemente da sua filiação política ou religiosa. Precisamos de um novo pacto ético e cívico, onde todos assumem o compromisso de romper com os vícios e práticas que têm perpetuado o atraso e a desigualdade. O que deve ficar claro é isto: a liderança, o estilo e a agenda de governação de Moçambique são agora outros. O tempo da indiferença passou. Entrámos num novo tempo de responsabilidade.
As manifestações, as greves, as mortes são um sinal de tensão. Fala em unidade nacional. Foi em nome dela que abriu diálogo com Venâncio Mondlane?
O diálogo é e será sempre a marca da minha governação. Como ser humano e como dirigente sempre privilegiei o diálogo. Com ou sem manifestações ia ter uma governação disruptiva no sentido de ter presente que sem o engajamento dos outros partidos políticos, de actores políticos, de entes representativos de toda a sociedade moçambicana, não se materializa uma renovação de Moçambique, para que nos consolidemos como País que que alavanque o desenvolvimento e lance os alicerces para a independência económica de Moçambique. A Unidade Nacional, sempre na diversidade, é o pilar para materializar todo o projecto de renovação de Moçambique. Sem dúvidas, que totalmente incrédulo com a destruição e o retrocesso que se impunha a Moçambique, em nome de interesses e valores maiores, abri o diálogo com todos os moçambicanos, sem distinção, incluindo com Venâncio Mondlane, com Lutero Simango e com Issufo Momade, todos estes antigos candidatos presidenciais. Esta abertura é feita tendo em conta que não podemos cometer erros do passado em que, com os melhores interesses, se manteve um modelo excludente de diálogo. Abri esta via do diálogo com o objectivo de ultrapassar esta crise e fazer do Venâncio Mondlane parte do diálogo que estamos a manter com todas as forças políticas e com a sociedade civil. É neste quadro que não se pretende ter duas plataformas de diálogo político e inclusivo, mas apenas um, com o envolvimento de todos, incluindo da sociedade civil. Moçambique somos todos nós e juntos e unidos somos mais fortes.
Mas sendo Venâncio o principal adversário, quer partilhar o que ficou definido entre ambos?
O encontro com o Venâncio foi marcado pelo respeito mútuo e pelo reconhecimento de que o país precisa de um novo clima político. Não foi um encontro para ajustar posições partidárias, mas sim para reforçar o compromisso com o diálogo nacional inclusivo. O que ficou definido entre nós foi claro: Moçambique precisa de estabilidade, e essa estabilidade constrói-se com todos. Concordámos na importância de implementar, de forma transparente e eficaz, o Compromisso Político para o Diálogo Nacional Inclusivo, já aprovado pela Assembleia da República, em forma de lei. Também discutimos formas de garantir que todas as sensibilidades políticas e sociais tenham voz nesse processo — sem exclusões, sem monólogos. Mais do que decisões pontuais, o que se definiu foi uma nova postura: pôr o país acima das diferenças, e trabalhar para que a reconciliação política não seja só uma palavra nos discursos, mas uma prática visível no dia-a-dia dos moçambicanos.
Seguramente a confiança no sistema democrático fica beliscada após este processo. Que passos concretos precisam de ser dados para reforçar a transparência eleitoral e garantir que todos os moçambicanos se sintam realmente representados?
É natural que, após um processo eleitoral tenso, surjam dúvidas e frustrações. Mas a democracia constrói-se reforçando as instituições, não descredibilizando-as. Para isso, não basta mudar a lei eleitoral. É preciso mudar comportamentos, atitudes e a própria cultura política. Defendo com clareza a profissionalização dos órgãos de administração e gestão eleitoral. Precisamos de instituições técnicas, independentes e estáveis, com pessoal competente, bem formado e protegido de pressões políticas. Mas tão importante quanto isso é o compromisso dos próprios actores políticos. Após qualquer reforma legal, os partidos e líderes devem assumir publicamente que vão respeitar as regras que ajudaram a aprovar, e que qualquer contestação será feita nos canais definidos por lei, sem recurso à violência ou desordem pública. A credibilidade de um processo eleitoral começa no comportamento dos seus protagonistas. Quando os líderes dão o exemplo, o povo ganha confiança. A democracia não se defende só nas urnas, defende-se também na postura, na palavra e na responsabilidade. E como Presidente da República, estarei na linha da frente desse compromisso.
Passemos então para o motor do país: a economia. Como o tecido empresarial e económico ficou afectado e como o governo está a articular a recuperação?
O tecido económico de Moçambique foi profundamente afectado por uma sequência de choques graves: fenómenos climáticos extremos, fragilidades estruturais acumuladas e, mais recentemente, as manifestações violentas que se seguiram às eleições gerais. Estes episódios deixaram marcas visíveis. Estimativas preliminares apontam para a destruição de mais de 950 estabelecimentos económicos e sociais, com um custo superior a 30 mil milhões de meticais. No quarto trimestre de 2024, a actividade económica contraiu-se em 4,9%, invertendo a tendência de crescimento dos trimestres anteriores, e cerca de 50 mil postos de trabalho foram perdidos. Diante deste cenário, o Governo actuou com prontidão e determinação. Lançámos uma série de medidas estruturadas para restaurar a confiança, proteger o emprego e reanimar o investimento. Destacam-se a criação do Fundo de Reabilitação Económica, com uma linha de crédito de 10 mil milhões de meticais para empresas afectadas, e o Fundo de Garantia Mutuária, que facilita o acesso ao crédito com taxas mais acessíveis. Mobilizámos também 100 milhões de dólares com apoio dos nossos parceiros internacionais. Paralelamente, lançámos o Fundo para o Desenvolvimento Económico Local, com foco especial na juventude e no empreendedorismo feminino, e activámos o programa “Agora Emprega”, que já financiou mais de 3.000 iniciativas de auto-emprego. Investimos ainda na reabilitação de mais de 2.300 km de estradas, melhorando o escoamento da produção agrícola e reduzindo os custos logísticos para as empresas. No plano estrutural, lançámos a Cidade Petroquímica Nacional, com potencial para criar mais de 9 mil empregos, e a dinamizar o sector agro-industrial, com novas unidades como a de arroz em Mafambisse. Redefinimos os preços de referência de recursos como o gás e o carvão, reforçando a receita fiscal sem penalizar o investimento. Estas medidas não são acções isoladas, pois estão integradas no nosso Plano Quinquenal 2025-2029, que tem como prioridade a diversificação da economia, a industrialização inclusiva e a geração de emprego digno. A recuperação está em curso. E o nosso compromisso é claro: transformar a crise numa oportunidade para reconstruir uma economia mais resiliente, mais justa e mais virada para o futuro.

Senhor Presidente, um dos grandes problemas é a dívida pública. Em 2024, segundo dados do FMI, a divida publica de MZ alcançaria 92,4% do Produto Interno Bruto, um aumento em relação aos 89,7% previstos para 2023. Os níveis actuais permanecem acima do limite de sustentabilidade recomendado para países de baixo rendimento que é de 60% acima do PIB. Como vai lidar com este desafio?
O elevado nível da dívida pública é, sem dúvida, um dos grandes desafios que enfrentamos. Segundo o nosso Cenário Fiscal de Médio Prazo, a dívida pública poderá atingir cerca de 91,6% do PIB em 2025, uma ligeira melhoria face aos 92,4% estimados para 2024, mas ainda acima do limiar de sustentabilidade recomendado para países de baixo rendimento. Estamos a actuar com firmeza e clareza para reverter esta trajectória. A nossa primeira linha de acção passa pela consolidação fiscal: controlo rigoroso da despesa pública, racionalização de custos e maior eficiência do investimento, sem comprometer sectores vitais como saúde e educação, por exemplo. Em paralelo, estamos a modernizar a administração tributária e a combater a evasão fiscal, expandindo de forma progressiva e justa a nossa base de receitas internas. A digitalização dos processos e a formalização da economia são peças-chave nesse esforço. No que respeita à dívida, estamos a seguir uma abordagem prudente. Damos prioridade a financiamento concessional e de longo prazo, com melhores condições e menor exposição a riscos cambiais. E reforçámos a coordenação e planificação das operações de dívida, com mais transparência e previsibilidade. Importa referir que, no primeiro trimestre de 2025, regularizámos a totalidade da dívida vencida junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), um passo decisivo para restaurar a confiança dos nossos parceiros e limpar os atrasados que marcaram o exercício de 2024. Essa regularização incluiu também credores como Portugal e o Banco Islâmico de Desenvolvimento, respondendo com responsabilidade às nossas obrigações. A trajectória fiscal que estamos a seguir está alinhada com o Programa Quinquenal do Governo 2025-2029. O nosso objectivo é garantir uma dívida sustentável que acompanhe o crescimento económico que já estamos a consolidar, com os grandes projectos em curso nas áreas de energia, gás natural, agro-indústria e logística. A confiança está a regressar. Com disciplina fiscal, boa governação e inclusão económica, estamos a transformar a dívida pública de um factor de risco para uma alavanca estratégica do nosso desenvolvimento.
A abundância de recursos naturais do nosso país, carvão, gás natural, terras férteis, pedras preciosas…esta é uma moeda de troca forte com países mais desenvolvidos. O que fazer, no imediato, para atrair investimento directo estrangeiro?
É verdade! Moçambique tem recursos naturais valiosos e uma localização estratégica na costa do Índico. Mas a nossa prioridade é clara: transformar essa riqueza em desenvolvimento real para os moçambicanos. E isso passa por atrair investimento estrangeiro sério, produtivo e sustentável. No imediato, estamos a reforçar a diplomacia económica. As nossas embaixadas e consulados estão a ser orientados para promover o país como destino de investimento, em articulação com a Agência de Promoção de Investimentos e Exportações (APIEX) e o Gabinete das Zonas Económicas de Desenvolvimento Acelerado (GAZEDA). Queremos levar ao mundo uma carteira organizada de projectos com estudos de viabilidade prontos, pacotes de incentivos claros e análise de riscos bem-feita. Além disso, estamos a trabalhar no ambiente de negócios. Simplificar processos, digitalizar serviços, melhorar a transparência e garantir segurança jurídica são medidas que já estão em curso. O investidor quer estabilidade, previsibilidade e regras claras e é isso que estamos a garantir. Temos também zonas económicas especiais e zonas de desenvolvimento acelerado, com benefícios fiscais e aduaneiros, localizadas em pontos estratégicos do país. São pensadas para atrair investimento em sectores como energia, agro-indústria, turismo, pesca e logística. Mas há algo fundamental: os moçambicanos têm de acreditar no seu país. Se somos os primeiros a maldizer Moçambique, como esperamos atrair investidores? A imagem que vendemos lá fora começa cá dentro, com paz, segurança e confiança. E mais: estamos a trabalhar para que o processamento dos nossos recursos aconteça localmente. O gás, o carvão, os minerais — tudo isso tem de ser transformado cá, para gerar emprego, tecnologia e valor interno. Esse é o caminho. Queremos investimento que fique, que se enraíze, e que traga benefícios reais para o nosso povo.
Mas para isso há que desburocratizar e descentralizar. A descentralização tem estado na agenda política moçambicana. Como avalia os avanços já feitos e o que está por fazer para que este processo seja mais eficaz?
Descentralizar não é apenas transferir competências; é transformar a forma como o Estado se relaciona com o cidadão. E esse processo, em Moçambique, está a avançar com mais maturidade e realismo. A Comissão de Reflexão sobre o Modelo de Governação Descentralizada (CREMOD), por exemplo, tem estado a liderar um trabalho técnico importante, que será discutido politicamente e submetido à Assembleia da República. A base está a ser construída com rigor, mas sabemos que a descentralização só será eficaz se vier acompanhada de desconcentração económica, descentralização fiscal e devolução efectiva, conforme cada situação em concreto. Não basta delegar funções administrativas: é preciso criar condições para que as províncias e distritos tenham recursos, autonomia e ambiente favorável para atrair investimento, simplificar processos e gerar oportunidades localmente. Os primeiros passos foram dados: há mais presença institucional no território, mais diálogo com os governos provinciais e locais, e maior clareza sobre os papéis de cada nível do Estado. Mas há ainda desafios sérios: simplificar a máquina pública, digitalizar os serviços, reduzir redundâncias e garantir que a descentralização não seja apenas uma descentralização da burocracia. O nosso compromisso é claro: queremos um modelo ajustado à realidade do País e sustentável nos próximos 50 anos, que aproxime o Estado das pessoas, liberte o potencial económico das regiões e fortaleça a unidade nacional com base na confiança e eficiência.
Do ponto de vista social, quais são, na sua visão, as grandes prioridades?
Vejo três grandes prioridades sociais para Moçambique, todas elas interligadas. Primeiro, a formação do capital humano. Precisamos de uma educação de qualidade, centrada no saber fazer. O ensino técnico-profissional tem de deixar de ser periférico para passar a ser estratégico. Uma mão-de-obra bem formada, com competências reais, é o motor do desenvolvimento e um dos principais factores de atracção para empresas que queiram investir ou deslocalizar-se para Moçambique. Segundo, o combate à pobreza, sobretudo à pobreza absoluta. E para isso, o distrito tem de ser o centro da nossa planificação. É ali que as decisões devem gerar impacto. Os nossos melhores quadros precisam de estar nos distritos, não apenas nos gabinetes centrais, para liderar a transformação económica e social a partir da base. Terceiro, recuperar a centralidade da família. A família sempre foi a célula base da nossa sociedade, mas está hoje em crise — ética, afectiva, funcional. Precisamos trabalhar com o sector da educação, com a sociedade civil e com as igrejas para restaurar o papel da família como espaço de valores, coesão e orientação, sempre ajustado à realidade actual. Essas três frentes (educação útil, combate à pobreza e reconstrução do laço familiar) são o coração do nosso projecto social. Porque um país só cresce se as suas pessoas tiverem bases sólidas para florescer.
Nos últimos anos, o país tem sido afectado por fenómenos climáticos extremos. Como se prepara o país para responder a novos desastres naturais?
Estamos a viver na linha da frente das alterações climáticas, e não há tempo a perder. A resposta exige prevenção, resiliência e assistência rápida. Já temos infra-estruturas em curso, como represas e sistemas de abastecimento de água, e reabilitamos algumas estações tratamento de água, para efectiva e sustentável resposta às emergências. Reforçámos a nossa capacidade de resposta com centros logísticos regionais e assistência humanitária a mais de 1,5 milhão de pessoas nos primeiros 100 dias da nossa governação. E estamos a formar agricultores em práticas adaptadas ao clima. O nosso foco é claro: antecipar, proteger e reconstruir com mais solidez do que antes.
Africa é o continente do futuro. A população é maioritariamente jovem, como pode o Estado tirar partido desta jovialidade que tanto faz falta no resto do mundo. O ensino, a formação…
A juventude é o nosso maior activo. Mas juventude sem oportunidades vira frustração. Por isso, estamos a investir fortemente na formação, no empreendedorismo e no acesso à tecnologia. Estamos a consolidar programas como o Acredita Emprega, para que milhares de jovens apossam criar, de forma sustentável, os seus próprios negócios. Também estamos a distribuir computadores e a instalar internet em escolas e praças digitais, para garantir inclusão digital. Acreditamos numa juventude que aprende, empreende e transforma. O nosso papel como Estado é abrir caminhos, facilitar, remover obstáculos e dar voz a essa geração. Porque o futuro é jovem e o futuro começa agora.
Que visão tem para o posicionamento externo de Moçambique, em especial nas relações com os países vizinhos e dentro da CPLP?
Queremos um Moçambique que seja respeitado e relevante, tanto na região como no espaço lusófono. Com os nossos vizinhos da SADC, privilegiamos relações de cooperação económica, integração logística e segurança partilhada. Como País, somos um hub logístico incontornável da região da África Austral e até Oriental. Não é, pois, por acaso que criámos o Ministério dos Transportes e Logística. Estamos a investir na diplomacia económica e na promoção de corredores comerciais e logísticos que ligam o interior do continente à nossa costa. Na CPLP, a nossa prioridade é tornar a língua portuguesa uma verdadeira ponte para negócios, ciência e cultura. Não basta participar, temos de influenciar, propor e liderar iniciativas que conectem África, Europa e o resto do mundo. Moçambique pode e deve ser essa ponte.
Se tivesse de escolher uma palavra para definir o seu mandato, qual seria e porquê?
A palavra é renovação disruptiva. Renovação, porque acreditamos que Moçambique merece mais — mais dignidade, mais justiça, mais futuro melhor. E disruptiva, porque o que herdámos não pode simplesmente continuar. Há momentos na história de um país em que é preciso virar a página com firmeza. Este é um desses momentos. Não estou aqui para pintar de novo uma parede que já ruiu. Estou aqui para ajudar a erguer novos alicerces. Quero renovar a política com ética, a economia com inclusão, o social com humanidade e a cultura com orgulho. Quero que cada moçambicano volte a acreditar que este país vale a pena, e que ninguém fica para trás. Renovação disruptiva é isso: não apenas fazer diferente, mas fazer melhor, com coragem, com verdade e com o povo no centro de tudo. E vamos trabalhar para isso, juntos e unidos!
Foto: Júlio Dengucho
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