Opinião

Líder ou amigo

Pedro Neves

Professor na Nova SBE

 

Artigo incluído na edição de Fevereiro 2019

 

Mandam as boas práticas de recursos humanos que as empresas procurem candidatos internamente para preencher posições de liderança e que, apenas quando o perfil desejado não existe ou há a necessidade de trazer uma nova visão ou forma de fazer para a organização é que esta deve recorrer a concursos externos.

 

Esta é uma das formas de desenvolver aquilo a que Christopher Collins e Ken Smith cunharam como “Práticas de RH de Elevado Compromisso”. No entanto, e apesar da investigação demonstrar que estas práticas têm resultados positivos, quer no investimento que as pessoas fazem no seu trabalho quer nos resultados das próprias organizações, não significa que o seu impacto seja simples e directo. Foi precisamente isso que uma equipa de investigadores liderada por Kerrie Unsworth da Universidade de Leeds quis aprofundar.

 

Num trabalho publicado recentemente na Leadership Quarterly, estes autores analisaram o impacto das promoções internas na forma como os líderes gerem o facto de serem líderes (resultado da promoção) e amigos (porque eram colegas de equipa) dos agora seus subordinados. Os participantes do estudo mencionaram que após a promoção, alguns dos amigos-subordinados deixaram de os levar a sério, começaram a fazer pedidos excepcionais (e.g, sair mais cedo) e criaram expectativas de que iriam agora receber um tratamento melhor. Por outro lado, mencionaram também o surgimento de conflitos internos relacionados com confidencialidade (o que é que lhes posso contar), disciplina (onde se traçam as fronteiras) ou dar directrizes (dizer o que têm de fazer).

 

Para tentar resolver estes conflitos, os autores identificaram cinco estratégias: abdicar da responsabilidade (em que o papel de líder é retirado da identidade da pessoa); terminar a amizade (retirar o ‘amigo’ da equação); estabelecer fronteiras (mantém ambos os papéis, mas em caixas separadas); sobrepor papéis (tenta fazer ambas ao mesmo tempo); e usar a amizade para liderar (mantém ambos os papéis, mas um está subordinado ao outro).

 

De acordo com os autores, a utilização destas estratégias depende da forma como os líderes se vêem a si próprios e da sua identidade. A tendência para terminar a amizade é maior quando o líder tem uma identidade de ‘chefe’ e é usada enquanto estratégia defensiva. Os líderes com uma identidade fraca (enquanto líderes) não sentem grande conflito e como tal usam estratégias mais diversas como abdicar da responsabilidade (e.g.,esta directiva veio de cima), sobrepor papéis (e.g., porque trabalhamos com muita proximidade) ou às vezes estabelecer fronteiras (trabalho é trabalho, conhaque é conhaque).

 

Os líderes com uma identidade baseada no papel que desempenham tendem simplesmente a procurar separar as águas e a estabelecer fronteiras. Qualquer que seja o caso, é importante que as organizações se consciencializem que os líderes não são apenas isso mesmo, ‘líderes’, mas são acima de tudo pessoas com uma rede complexa de relações e processos de influência que não desaparecem por magia.

 

Essa rede, quando bem trabalhada dentro da organização traz consigo os resultados positivos associados ao elevado compromisso do líder; quando mal trabalhada ou ignorada pode arruinar não apenas amizades, mas as próprias organizações.

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