“Deus é o meu CEO. Tudo o que eu sou hoje, devo à fé, à disciplina e à coragem de sacrificar um sonho antigo por outro ainda maior.” É assim que Adalgisa da Graça Massango resume a sua caminhada, marcada por coragem e resiliência.
De uma infância no Lubango ao comando de duas empresas em Luanda – a JP Massango e a Goldbess – esta empresária angolana transformou o gosto herdado da mãe por pequenos negócios numa marca de moda masculina de luxo com ADN próprio: a Portofino. A sua história é uma lição sobre visão, sacrifício e reinvenção. Apesar da elegância natural com que fala de moda, Adalgisa nunca se desvinculou das suas origens. Filha de uma empreendedora informal e de um carpinteiro, cresceu no bairro do Sambizanga, na capital angolana.
O sonho começa no banco, mas não termina lá. Isso mesmo: durante quase duas décadas, Adalgisa Massango vestiu o fato da banca com rigor e paixão. “Era o meu sonho de criança. Sempre achei que trabalhar num banco dava dinheiro e prestígio. E consegui. Entrei como estagiária e cheguei à direcção”, conta. Mas foi nos bastidores da instituição financeira, entre viagens e colegas interessados em boas roupas, que a semente do empreendedorismo começou a germinar.
Enquanto dirigia departamentos estratégicos de crédito, Adalgisa viajava, comprava malas de roupa de luxo masculina e vendia aos colegas do banco. “Foi ali que tudo começou”, diz. A clientela fiel, o faro pelo gosto apurado e o acesso a crédito transformaram o negócio improvisado numa marca com identidade e sede própria.
“Comecei a vender roupas masculinas, informalmente, no próprio banco. Viajava, trazia malas cheias e vendia. Sem saber, estava a desenhar o rascunho do que viria a ser a Portofino”, sublinha. O que começou como um negócio informal tornou-se um projecto arrojado, com uma identidade própria, lojas físicas em Luanda e uma incursão audaz na prestigiada Avenida da Liberdade, em Lisboa.
A viragem veio com um crédito bancário e uma decisão difícil. “Tive de escolher. Ou seguia com o banco ou com o negócio. Pedi uma licença sem remuneração, fui estudar, viajei, pesquisei o mercado e abri a primeira loja na [rua] Rei Katyavala”, lembra, em conversa mantida com a FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, em Luanda, numa das unidades hoteleiras de referência.
“Comecei a vender roupas masculinas, informalmente, no próprio banco. Viajava, trazia malas cheias e vendia. Sem saber, estava a desenhar o rascunho do que viria a ser a Portofino”.
Com um financiamento bancário de 100 milhões de kwanzas, nascia, há quase 14 anos, a empresa JP Massango, nome que homenageia os filhos João e Pedro. Mais tarde, com a Goldbess – sua segunda empresa – a Portofino ganharia espaço e prestígio como marca de vestuário masculino de luxo, com lojas em Luanda e, por um breve e ousado momento, também em Lisboa.
Ao lado do designer português Pedro Baptista, parceiro criativo desde o início, Adalgisa deu forma ao que viria a ser a marca de alfaiataria fina feita em Portugal, Itália e Turquia. A Portofino é hoje uma referência no vestuário masculino de gama alta em Angola. A marca nasceu da experiência no franchising de nomes consagrados como Brioni, Versace e Dolce & Gabbana. “Foi assim que ganhei know-how. Mas eu queria uma marca com o meu DNA”, sublinha.
A focada empresária refere que fazer chegar a sua Portofino à Avenida da Liberdade, em Lisboa (Portugal) foi como realizar um sonho europeu. A loja estava impecável, mas a pandemia matou o fôlego. Em plena crise sanitária da Covid-19, viu-se a pagar 16 mil euros mensais em renda, com portas fechadas e clientes ausentes. Tentou resistir, recorreu a apoios do governo português, mas, inevitavelmente, teve de recuar. “Caí. Mas só dei a volta por cima porque tenho Deus na minha vida”, afirma.
Longe de desistir, reagiu com resiliência. Caiu e soube levantar-se. Manteve acesa a chama empreendedora focada na alta-costura para satisfazer a exigência de homens com bom gosto. “Hoje somos três na direcção criativa: eu, o Pedro e a Alda. Criamos os modelos, escolhemos os tecidos, adaptamos o design ao nosso público. A Portofino desenvolve colecções completas. Só em Janeiro deste ano, encomendámos 300 novos fatos, com custo médio de produção de 110 mil kwanzas cada”, avança. A matéria-prima vem dos grandes polos têxteis da Europa. Mas, a alma do negócio é 100% angolana.
“Eu sou uma mulher de fé, mas também de números. Sempre fui muito ambiciosa, mas com ambição medida. Gosto de ganhar. Por isso estudei gestão e sempre tive gosto em trabalhar com dinheiro”, explica. A experiência na banca deu-lhe o rigor financeiro necessário para sustentar o crescimento das suas marcas.
Do fracasso em Lisboa à expansão nos PALOP

O maior revés da carreira de Adalgisa foi a aventura europeia. “Abrimos a Portofino na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Era um sonho. Mas, a pandemia chegou logo depois e tivemos que fechar. Pagava 16 mil euros de renda por mês. Foi devastador”, recorda com tristeza, mas de cabeça erguida.
Apesar de ter conseguido um apoio estatal de 70 mil euros do governo português, o prejuízo foi inevitável. “Ainda hoje estou a pagar as dívidas daquela operação. Foi duro. Mas também foi uma lição. Não quero mais levar nada meu para a Europa. O meu foco agora são os PALOP”, afirma.
O plano inclui expansão para Moçambique, onde a marca já tem forte presença online, e um modelo de franchising tanto para a Portofino como para a sua nova marca, a Blu. “Nos próximos tempos, a Portofino terá apenas uma loja própria e apostaremos no franchising. A Blu, mais acessível e cool, vai ter quatro ou cinco lojas próprias e o resto será franchising”, antecipa à Forbes.
A Goldbess, holding que detém as marcas Portofino, Blu e SEE (óculos), representa a fase mais madura da estratégia de Adalgisa. Enquanto a Portofino atende um público de renda média-alta, a Blu mira a geração Z, com produção inteiramente feita no Brasil e preços mais acessíveis.
A Blu surgiu há mais de ano e meio e prevê produzir em média 15 mil peças por ano, com custo médio de 16 mil kwanzas por peça. A Portofino, por seu turno, produz em média 8 mil peças/ano e continuará a ser uma marca de assinatura premium, com identidade própria e processos criativos rigorosos.
O investimento na Blu já soma 600 milhões de kwanzas e promete democratizar a elegância masculina. A marca SEE, ainda em fase embrionária, aposta no segmento de eyewear como complemento ao portfólio.
Entretanto, a primeira empresa criada por Adalgisa foi a JP Massango. Fundada quando ainda tinha 19 anos, a empresa dedica-se à produção de uniformes corporativos. A virada veio com um contrato vital com a Sonangol para produção de uniformes para os funcionários de todas as bombas de combustível do país. “Foi esse negócio que me deu fôlego para amortizar a dívida com a banca e consolidar a minha estrutura. Foi decisivo. Produzimos três remessas consecutivas. Isso deu-me alento financeiro”, revela.
Foi com a JP Massango que obteve o primeiro crédito bancário de 100 milhões de kwanzas. Três anos depois a mesma empresa fez o segundo empréstimo que serviu para aquisição de um edifício em Talatona, propriamente no condomínio Mix Center, onde funciona hoje uma das lojas da Portofino com 300m². Ao todo, os investimentos acumulados nas duas empresas [JP Massango e Goldbess] ultrapassam os 1,8 mil milhões de kwanzas.
Resultados que falam alto

Com um volume de negócios estimado em 350 milhões de kwanzas por ano, no global, as empresas de Adalgisa Massango facturaram, em 2024, cerca de 175 milhões de kwanzas. Números expressivos para quem começou a vender pães à porta de casa no Sambizanga, ainda criança, e herdou da mãe o faro para os negócios.
A estratégia passa agora pela expansão nacional e entrada nos mercados dos PALOP, com foco inicial em Moçambique, onde as vendas online têm crescido. “Visitei o país e percebi o potencial. O plano é abrir cinco lojas próprias da Blu e expandir o resto através de franchising”, revela.
A espiritualidade é o pilar da sua força. “Tudo o que conquistei devo a Deus. Perdi os meus pais muito cedo, vivi momentos difíceis. Mas encontrei refúgio na fé. Rezo, falo com Deus, peço orientação. Não consigo tomar decisões sem essa conexão”. A própria escolha do nome da empresa Goldbess – “estrela no céu” – é uma homenagem espiritual. “Se sou filha de um carpinteiro e de uma empreendedora informal e consegui chegar aqui, é porque houve mão divina”, acredita Massango.
Apesar do sucesso, Adalgisa não quer construir um império infinito. “Quero consolidar a marca em Angola e nos PALOP. E depois, ser um pouco mais dona de casa, mais mãe. Não quero abrir dezenas de lojas. Cinco ou seis são suficientes, se estiverem bem posicionadas e sustentáveis”, entende acrescentando, “se surgir alguém interessado em representar a marca, estaremos abertos para licenciar, mas desta vez com muito mais cautela e um modelo mais leve”.
Além da moda, mantém algum investimento no sector imobiliário, comprando e revendendo imóveis. No entanto, a paixão continua a ser a criação e o detalhe no vestuário masculino com a sua assinatura. “A moda masculina em Angola tem um público fiel. Quando é bem feita, dá dinheiro. Eu sou fruto do que a moda me trouxe”, considera.
Adalgisa Massango é hoje um dos nomes mais relevantes da moda angolana. Construiu o seu percurso com ambição, estratégia e uma coragem invulgar. Um legado com costura própria. “Demorei cinco anos para ver retorno. Enquanto não tive certeza, não deixei o banco. Trabalhei para pagar o que devia. Hoje trabalho para construir um legado”, enfatiza.
Com milhares de peças produzidas por ano, um portfólio de marcas e planos de internacionalização regional, Adalgisa simboliza a nova geração de empresárias africanas: firmes, visionárias, enraizadas na cultura local e com olhos postos no mundo.
A sua forma firme, serena e cativante, revela a mulher que soube, com coragem e estratégia, abandonar um sonho antigo para construir um novo, maior e mais autêntico.
Aos 45 anos, depois de quase duas décadas na banca angolana, Adalgisa lidera um ecossistema de marcas próprias que vestem milhares de homens em Angola e já projectam ambições regionais. Mas, como faz questão de frisar, tudo o que construiu é porque Deus permitiu. “Eu vivia um sonho na banca. Mas, tive que escolher entre continuar a gerir dinheiro dos outros, ou investir no meu próprio sonho, porque a Portofino passou a ser também o meu sonho”, afirma com convicção a concluir.





