Nelvina Barreto nasceu em Bolama, a primeira capital guineense, em 1963. Cresceu na cidade da Beira, no centro de Moçambique e regressou para a Guiné-Bissau depois da independência ser conquistada. Mais tarde foi para Portugal onde fez os seus estudos superiores.
É formada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e graduou-se em Gestão de Projetos, pela Open University em Londres. Ocupou o cargo de ministra da Agricultura e Florestas do Governo da Guiné-Bissau entre 2019 e 2020. Actualmente é consultora sénior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Em conversa com a Forbes África Lusófona, Nelvina Barreto fala sobre o Projecto de Reforço da Capacidade de Adaptação e Resiliência das Comunidades das Zonas Costeiras Vulneráveis da Guiné-Bissau, seus objectivos e alcance.
“Como sabe, a Guiné-Bissau foi considerada, a nível mundial, o segundo país mais vulnerável à subida do nível da água do mar, logo a seguir ao Bangladesh. As mudanças climáticas [na Guiné-Bissau] estão a afectar a comunidade agrícola costeira, devido ao aumento das inundações e a invasão de água salgada nas bolanhas (os arrozais), em virtude da subida do nível do mar causada pelo aquecimento global”, começou por dizer a consultora do PNUD.
Esta situação, refere, tem vindo a agravar com o passar dos anos, “com significativos impactos físicos, humanos e financeiros, que se estendem por toda a zona costeira”. Por esta razão, defende a necessidade de adopção de medidas de adaptação e investimentos urgentes, no sentido de se fortalecer a resiliência das comunidades costeiras, “garantindo-lhes meios de subsistência locais e a protecção face ao clima, através de programas e medidas corretos”.
É neste contexto que se inscreve oProjeto de Reforço da Capacidade de Adaptação e Resiliência das Comunidades das Zonas Costeiras Vulneráveis da Guiné-Bissau,que intervém em três zonas, nomeadamente Bolama-Bijagós, Varela-Cacheu e Mansoa-Buba-Cufada.
Os objectivos passam por apoiar o estabelecimento de um ambiente político institucional e administrativo favorável ao melhoramento do risco climático na zona costeira; financiar investimentos adicionais em medidas de protecção costeira, nomeadamente infra-estruturas económicas e naturais que permitam fazer face à subida do nível do mar e da degradação costeira.
São ainda propósitos do projecto a implementação de estratégias e intervenções nos sectores agrícola e das pescas, assim como em matéria de protecção e restauração da natureza; bem como reforçar a resiliência climática através de opções de subsistência para as comunidades costeiras, com ênfase especial nos grupos mais vulneráveis, concretamente mulheres e jovens.
À FORBES, Nelvina Barreto explica que no momento da preparação do Projeto foi realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e pesquisas (INEP) um estudo socioeconómico para melhor compreensão de questões ligadas às tradições, ao referencial tradicional e religioso e principais actividades económicas de subsistência das comunidades beneficiárias, para delinear as estratégias e abordagens de execução do projecto adaptadas à respectiva realidade.
“Os grupos identificados como os mais carenciados e vulneráveis [mulheres e jovens] têm recebido uma especial atenção do projecto, através do financiamento de actividades como a construção de hortas comunitárias, a reabilitação de pistas rurais para facilitar a venda de produtos agrícolas, a recuperação de bolanhas com construção de diques para impedir o avanço e a inundação da água salgada, entre outras”, indica.
Barreto garante que a comunidade tem sido “bastante receptiva”, colaborando em todas as actividades, pois, afirma, “sentem-se parte do processo por terem participado na identificação das necessidades e dos desafios a resolver”.
A antiga ministra da Agricultura e Florestas considera que os desafios que a Guiné-Bissau enfrenta para o seu desenvolvimento são estruturais e a sua resolução tem sido adiada e afectada pela permanente instabilidade governativa que não permite a aplicação de políticas de fundo, a médio e longo prazo, com o propósito de transformar a realidade vigente e perenizar os investimentos.
“É do conhecimento público que o Governo da X Legislatura do qual fiz parte [entre 2019 e 2020] só esteve sete meses em função, tempo insuficiente para introduzir alterações significativas e com impacto duradouro”, lembra. Contudo, acrescenta, “algumas medidas de emergência foram assumidas durante a minha gestão no Ministério da Agricultura e Florestas, com vista a facilitar a intervenção dos actores económicos, principalmente as mulheres, através de isenções de taxas e impostos sobre os produtos agrícolas e florestais, sua principal fonte de rendimento”.
De acordo com a ex-governante, no pouco tempo do seu mandato, foram igualmente criados mecanismos de concertação e apoio as organizações da sociedade civil que trabalham na temática do ambiente, agricultura e pescas, para permitir um esforço coordenado na mitigação dos impactos resultantes das alterações climáticas e que podem comprometer a segurança alimentar da população.
Nelvina estreia-se na literatura com “Sementeiras de Esperança”

A também escritora, estreou-se no mundo da escrita, em Maio de 2023, com o lançamento da sua primeira obra literária intitulada “Sementeiras de Esperança”, uma compilação de escritos sob forma de crónicas que analisa criticamente, de forma pedagógica, questões sociais, políticas e económicas, “trazendo à mesa propostas de solução que passem pelo diálogo, pela criação de consensos, pelo debate pacifico e pela agregação de valor em todos os sectores da vida em sociedade”.
A autora confessa que trata de forma especifica de questões ambientais, embora transversalmente estejam presentes nas preocupações levantadas pela sociedade guineense no que diz respeito ao abate indiscriminado de árvores para comércio e exportação de troncos, com as consequências desastrosas em termos de mudanças climáticas que todos conhecemos.
“No livro chamo a atenção das autoridades da Guiné-Bissau para a necessidade de maior atenção, mais capacidade de escuta das populações, para conceber e aplicar medidas políticas que protejam e conservem o meio ambiente, ao mesmo tempo que garantam a segurança alimentar das populações, fornecendo meios económicos para fortalecer a sua capacidade de fazer face a choques externos que tem abalado seriamente a Guiné-Bissau, como que resultou da pandemia da Covid-19 e, mais recentemente, do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia”, pormenoriza.
Nelvina afirma que a população tem pouco conhecimento sobre esta matéria e, consequentemente, pouco sensibilizada para as temáticas das alterações climáticas. “Não são disponibilizados informações e conhecimentos que, de forma acessível, a alertem para os diferentes riscos e impactos na sua vida, no seu habitat e nos meios de subsistência de que dispõe”, lamenta, reconhecendo, no entanto, que a população, fazendo recurso à sabedoria secular de que depositaria, vai tentando preservar o meio ambiente, retirando da natureza o estritamente necessário para a sua sobrevivência.
“Não obstante o Estado da Guiné-Bissau assumir compromissos internacionais de proteção e salvaguarda do ambiente e da biodiversidade, as instituições nacionais não divulgam suficientemente o conhecimento sobre os desafios climáticos e os instrumentos de adaptação e mitigação existentes ou a desenvolver”, enfatiza.
Sobre o sistema educativo nacional, a agora também escritora refere que escolas, universidades e centros de pesquisa não incluem igualmente, de forma sistemática, a abordagem de questões ambientais nos respetivos currículos ou estudos, tal como, diz, “os órgãos de comunicação social não se mobilizam de igual forma em relação a esses temas”.
A consultora do PNUD apontou algumas organizações da sociedade civil, com vocação e expertise para o efeito, como as “raras” entidades que desenvolvem actividade e que têm preocupação ambiental de forma consistente, deixando, entretanto, muito por fazer.
A concluir, Nelvina Barreto aponta as atitudes elementares para se atingir os objectivos do Projecto de Reforço da Capacidade de Adaptação e Resiliência das Comunidades das Zonas Costeiras Vulneráveis da Guiné-Bissau: “Deve ser através dos média, do ensino nas escolas, da inclusão nas políticas publicas, da criminalização de práticas danosas do ambiente, da formação de agentes comunitários e de guardas florestais, formação e informação permanente das próprias comunidades, de disponibilização de instrumentos a diferentes grupos sociais para criar e inovar nas medidas de adaptação e mitigação adequadas, na abordagem e aplicação de estratégias e práticas de caracter económico e social que garantam a subsistência sem impactar negativamente o ambiente, a rica biodiversidade e ecossistema de que a Guiné-Bissau e portadora”.