“Não nos podemos ofuscar com os megaprojectos”

Assumir a liderança da EY Moçambique é, para Bruno Dias, mais do que um desafio corporativo. É uma oportunidade de estar no centro de uma fase crítica da história económica de Moçambique, num momento em que o país tenta equilibrar ambições de crescimento com imperativos de inclusão, inovação e sustentabilidade. Desde 1 de Julho deste…
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O novo office managing partner da EY Moçambique, Bruno Dias, considera que os megaprojectos são necessários e vão ajudar o país no curto prazo, porém, alerta que é necessário usá-los para alavancar os sectores que têm maior impacto na economia real.
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Assumir a liderança da EY Moçambique é, para Bruno Dias, mais do que um desafio corporativo. É uma oportunidade de estar no centro de uma fase crítica da história económica de Moçambique, num momento em que o país tenta equilibrar ambições de crescimento com imperativos de inclusão, inovação e sustentabilidade.

Desde 1 de Julho deste ano, o novo office managing partner está a liderar a operação da multinacional com foco em três grandes frentes: apoiar o Estado na modernização institucional, servir como ponte entre investidores e o mercado local, e ajudar as empresas moçambicanas a tornarem-se protagonistas da economia transformacional que o país precisa de construir.

Dias chega ao cargo com mais de duas décadas de experiência em projectos estruturantes em Moçambique e outros mercados incluindo países africanos, em sectores como energia, telecomunicações, serviços financeiros e administração pública. Engenheiro de formação, com pós-graduação em gestão de informação e business intelligence, o executivo tem uma visão técnica e estratégica sobre o papel que as grandes consultoras podem desempenhar em países com desafios multidimensionais.

“Moçambique tem tudo para se tornar uma potência económica em África”, afirma com convicção. “Mas para isso é necessário fazer escolhas certas, garantir estabilidade e direccionar bem os recursos estratégicos. É aqui que acreditamos que a EY pode fazer a diferença”, indica.

Entre os principais riscos que o país enfrenta, Bruno Dias destaca o excesso de expectativa em torno dos megaprojectos ligados à exploração de gás natural e outros recursos naturais. “Acho que os megaprojectos são necessários e vão ajudar no curto prazo, mas não nos podemos ofuscar com eles. Existe o risco de cairmos na chamada ‘doença holandesa’”, alerta, referindo-se ao fenómeno económico em que a abundância de recursos naturais acaba por enfraquecer outros sectores produtivos.

Para o novo líder da EY Moçambique, o verdadeiro desenvolvimento passa por usar os frutos desses megaprojectos como catalisadores de uma transformação económica mais ampla. “Temos de usar os ganhos provenientes dos grandes investimentos para desenvolver sectores estratégicos, como a industrialização, a construção de infra-estruturas, a modernização da agricultura e a dinamização das cadeias de valor. Caso contrário, corremos o risco de ver crescer o produto interno bruto (PIB) sem que isso se traduza em melhoria real das condições de vida”, alerta.

A EY, sublinha, está bem posicionada para apoiar o Estado moçambicano na implementação de reformas institucionais, na criação de modelos de parcerias público-privadas (PPP), no desenho de políticas públicas e na estruturação de projectos complexos. “Apoiamos governos em todo o mundo e temos um entendimento claro sobre o que é preciso para tornar instituições mais eficazes, resilientes e orientadas para resultados”, sublinha.

No sector privado, a actuação da EY foca-se tanto no apoio a multinacionais que operam no país como na capacitação do tecido empresarial local. “É fundamental que as empresas moçambicanas estejam preparadas para interagir com os grandes players que actuam no mercado. Para isso, é preciso desenvolver competências técnicas, sistemas de gestão, estruturas de compliance e práticas que lhes permitam competir em igualdade de condições”, considera Dias.

“É fundamental que as empresas moçambicanas estejam preparadas para interagir com os grandes players que actuam no mercado.”

Bruno destaca que muitas oportunidades surgem a partir da própria rede global da EY, que identifica e referencia projectos nas sedes de multinacionais com interesses em Moçambique. “Temos capacidade de mobilizar investimentos e conhecimento internacional. O nosso papel é articular isso com o contexto local e garantir que Moçambique tira o máximo proveito possível dessas conexões.”

Um dos grandes desafios internos identificados pelo novo office managing partner é a baixa inclusão financeira. Segundo ele, a informalidade continua a dominar a economia e os níveis de bancarização permanecem baixas. “As plataformas móveis trouxeram soluções inovadoras, mas persistem barreiras estruturais. Muitas pessoas em zonas rurais continuam excluídas por falta de documentação ou acesso a serviços”, destaca.

O gestor defende que a digitalização do sistema financeiro é uma prioridade. “Precisamos de simplificar processos, modernizar instituições e garantir que a população tem acesso a instrumentos básicos de gestão financeira. Isso envolve também a capacitação. É preciso ensinar as pessoas a utilizar esses serviços de forma segura e eficaz.”

Na sua visão, a integração entre governo e sector financeiro será essencial para ampliar o acesso ao crédito. “As taxas de juro continuam elevadas, o que inibe o crescimento das PME. É crucial criar mecanismos de crédito bonificado, fundos de garantia e linhas de apoio que tornem o financiamento viável para pequenas e médias empresas”, defende.

Um dos projectos mais promissores em curso, segundo Bruno Dias, é um fundo de garantia mútua financiado pelo Banco Mundial, que permitirá disponibilizar garantias a instituições financeiras para que estas possam conceder crédito a empresas com menor histórico ou colateral. “É um passo importante para desbloquear o crescimento das PME, que são a base da nossa economia”, entende.

“Precisamos de simplificar processos, modernizar instituições e garantir que a população tem acesso a instrumentos básicos de gestão financeira.”

No entanto, Bruno ressalta que o reforço do sistema financeiro deve vir acompanhado de uma regulação moderna e eficaz. “Hoje, os desafios do sector já não são apenas contabilísticos ou fiscais. Enfrentamos questões como branqueamento de capitais, cibersegurança, regulação de inteligência artificial, reconhecimento biométrico. O regulador precisa de ter uma abordagem abrangente e actualizada”, aconselha o líder da EY Moçambique.

Para o investidor estrangeiro, diz, a solidez do sistema financeiro é um fator decisivo. “Antes de investir, um investidor olha para o país e quer perceber se existem mecanismos de controlo, transparência e boa governação. Se isso não estiver assegurado, o risco percebido aumenta e o investimento não acontece”, explica.

Bruno Dias defende também que Moçambique precisa de uma legislação mais robusta sobre conteúdo local, especialmente nos sectores extrativos. “As grandes multinacionais têm critérios rigorosos e não é fácil para uma PME moçambicana tornar-se fornecedora directa. Precisamos de investir em capacitação e apoiar essas empresas a cumprir os padrões exigidos, desde certificações ISO até normas ambientais e sociais”, aponta.

Neste esforço, a articulação entre empresas locais pode ser um diferencial. “As joint ventures são uma estratégia eficaz. Muitas vezes, duas ou três empresas locais, ao juntarem-se, conseguem ter escala e capacidade técnica para concorrer em condições mais competitivas.”

O IPEME – Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas – é apontado por Bruno como um parceiro importante neste processo, tendo considerado que o IPEME em colaboração com a APIEX devem contribuir para a promoção da marca Moçambique, atração de investimento estrangeiro e apoio à internacionalização das empresas locais. “E nós, como multinacional, podemos ajudar nesse desígnio”, predispõe-se.

No curto e médio prazo, a estratégia da EY Moçambique será alinhar-se à nova visão global da firma, que passou recentemente por uma renovação estratégica sob nova liderança executiva. Três eixos estão no centro desta transformação: tecnologia e transformação digital, sustentabilidade e serviços Outssourcing de Processos de Negócio (Managed Services).

“A transformação digital já não é um luxo, é uma necessidade. É importante levar a bom porto os projectos do Governo relacionados com a melhoria da interoperabilidade entre Ministérios, melhoria dos portais de cidadão e e a implementação de sistemas de procurement electrónico. No sector privado, apoiamos empresas a adoptar tecnologias emergentes, como inteligência artificial e automação de processos”, detalha.

Na sustentabilidade, Dias afirma que a onda global é inevitável. “As empresas que não tiverem uma estratégia clara de sustentabilidade nos próximos anos vão perder competitividade e acesso a mercados. Estamos preparados para apoiar nessa transição.”

Já no eixo dos serviços geridos, a EY passa a assumir processos operacionais das empresas clientes, desde contabilidade e finanças até gestão de recursos humanos e funções de backoffice. “Esta será, globalmente, a área de maior crescimento da firma. Em Moçambique, também queremos ser pioneiros nessa abordagem”, projecta o office managing partner da EY no ‘país do Índico’.

Embora a EY não tenha como foco a prestação de serviços directos para PME individuais, Bruno destaca que a empresa está profundamente envolvida em iniciativas que têm impacto directo no seu desenvolvimento. “Trabalhamos com o Estado e com grandes empresas para criar programas de capacitação, acesso ao financiamento e fortalecimento institucional que beneficiam o ecossistema empresarial como um todo”, refere.

No contexto pós-eleitoral, marcado por alguma tensão política e social, Bruno nota sinais de estabilização. “Sinto que estamos a entrar numa fase de maior acalmia. Ainda assim, há desafios macroeconómicos a resolver, como o elevado nível de endividamento público e a escassez de liquidez no mercado.”

Residente em Moçambique com a família, o novo homem forte da EY afirma que este é o país onde quer fazer a diferença. “Queremos crescer, consolidar a nossa presença e ser parte activa das soluções para os desafios que o país enfrenta. Acredito sinceramente que Moçambique está no momento certo para se transformar. E a EY está preparada para contribuir com tudo o que sabe e tudo o que é.”

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