Opinião

O estranho caso da falta de gratidão

Pedro Neves

Professor da Nova School of Business and Economics

 

Artigo incluído na edição de Outubro 2018

 

O regresso de férias directamente para um novo campus pronto a estrear precisamente em frente à praia deixou- me com um espírito particularmente positivo. Tenho de admitir que quando estamos no novo campus a nova imagem da nossa escola ganha sentido redobrado. O infinito que o mar nos oferece dá-nos uma perspectiva do futuro cheia de possibilidades; aquele pôr do sol em Carcavelos sinaliza que cada fim é seguido de um novo início. No fundo, é como deveria dizer o adágio: campus novo, vida nova. E talvez tenha sido também este acumular de positividade que me prendeu a atenção num artigo sobre um tema que eu nunca estudei: gratidão.

 

Este artigo, publicado no Journal of Applied Psychology (ainda só disponível na cópia online) e conduzido por uma equipa das universidades de Michigan State e Massachusetts Amherst liderada por Hun Whee Lee, procura compreender melhor os benefícios da gratidão para aqueles que ajudam outros (helpers).

 

A grande questão que moveu os autores foi saber quais (e como ocorrem) os benefícios que a ajuda diária a outros tem para quem fornece essa mesma ajuda através da gratidão que é demonstrada por quem a recebeu. Confuso? É natural pois isto da gratidão tem muito que se lhe diga…

 

Os autores seguiram 51 pessoas ao longo de duas semanas, avaliando todos os dias o quanto tinham ajudado outros no trabalho, se essa ajuda tinha sido proactiva (sem ser pedida) ou reactiva e se as pessoas que tinham auxiliado tinham expressado gratidão pela ajuda prestada. Mediram ainda o impacto que diariamente essas pessoas sentiam ter tido nos colegas bem como os seus níveis de envolvimento com o trabalho diário. Os resultados foram curiosos.

 

A ajuda prestada aos outros era recebida com gratidão apenas quando era reactiva; quando era proactiva os participantes relatavam não ter recebido gratidão de quem ajudaram. Ou seja, ajudar sem nos ter sido pedido não traz grandes benefícios, pelo menos no que diz respeito à gratidão. Por sua vez, a gratidão recebida influenciava tanto o impacto social como o envolvimento com o trabalho no dia imediatamente a seguir mostrando que o impacto positivo da gratidão se prolonga ao longo do tempo. O facto de a ajuda proactiva não levar a respostas de gratidão surpreendeu os autores e levou-os a realizar um segundo estudo utilizando incidentes críticos e separando a perspectiva dos helpers e dos recipientes da ajuda. O estudo conduzido com ambos os interlocutores confirmou os resultados do primeiro estudo: tanto quem ajuda como quem recebeu a ajuda afirma ter recebido/expressado mais gratidão em situações de ajuda reactiva em comparação com situações de ajuda proactiva.

 

Como todos os estudos interessantes, levanta mais questões do que nos dá respostas. A pergunta que fica no ar é: porque é que as pessoas expressam menos gratidão em situações de ajuda proactiva? Uma explicação possível está relacionada com a interpretação que as pessoas fazem da ajuda proactiva, particularmente no contexto de trabalho. As pessoas podem sentir que quem oferece ajuda pode estar a ser paternalista, controlador ou pouco confiante nas suas competências, e esses sentimentos podem levar a não expressar ou sentir gratidão.

 

Por isso já sabe: ajude, mas espere que lhe sinalizem que essa ajuda é bem-vinda. Ou então faça como eu: sente-se no nosso novo campus, olhe para o nosso mar e simplesmente sinta-se grato.

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