Garantir a estabilidade de preços, de forma a assegurar a preservação do valor da moeda nacional, o kwanza, assim como a estabilidade do sistema financeiro, é das principais missões do Banco Nacional de Angola (BNA), que assume ainda a visão de ser o precursor da modernização do sistema financeiro angolano.
A responsabilidade de materializar estas e outras acções foi confiada, desde 16 de Junho de 2023, a Manuel António Tiago Dias, depois de ter sido proposto pelo presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, e confirmado pela Assembleia Nacional, em substituição de José de Lima Massano, entretanto nomeado, na véspera, ministro de Estado para a Coordenação Económica do país.
Ao ser empossado, já numa conjuntura económica internacional adversa, o novo inquilino do ‘castelo da marginal de Luanda’ apontara como suas prioridades à frente do BNA a estabilização do mercado de câmbio e a redução da taxa de inflação nacional a um dígito para níveis abaixo dos 7%, conforme recomenda a convergência macroeconómica da região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Pouco mais de um ano depois de ter assumido o trono, o ‘homem forte’ de um dos órgãos reguladores do mercado financeiro angolano conversou com a Forbes África Lusófona e a Rádio Luanda Antena Comercial (LAC), numa entrevista conjunta descontraída, que serviu para abordar a visão geral que o BNA tem sobre a situação financeira do país e o seu posicionamento em relação às várias preocupações dos cidadãos e das empresas, ligadas sobretudo à estabilização da moeda nacional e à subida galopante da inflação.
Embora existam a nível do sistema financeiro do país outras duas instituições de supervisão – a Comissão do Mercado de Capitais (CMC) e a Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG) –, de acordo com a lei das instituições financeiras, o papel preponderante em termos de estabilidade do sistema financeiro nacional recai no Banco Nacional de Angola.
“A estabilidade de preços não é só uma preocupação do banco central ou do Executivo, mas deve ser uma preocupação de todos os agentes económicos”
“Existe um fórum chamado Conselho de Supervisores do Sistema Financeiro, do qual fazem parte três instituições [BNA, CMC e ARSEG] e que é presidido pelo Banco Nacional de Angola, e, naturalmente, olham para todas as instituições financeiras que operam no nosso país no sentido de assegurar a maior estabilidade possível”, começa por referir Manuel Tiago Dias.
Assumindo como principal missão a estabilidade dos preços na economia, diz o governador, todas as acções do BNA no dia-a-dia concentram-se essencialmente na tomada de um conjunto de medidas que levem no curto/médio prazo ao alcance desse desiderato que se reflectirá em preços baixos. “Para tal, nós temos um Comité de Política Monetária, que é um dos órgãos do BNA estabelecidos pela própria lei e que toma todas as medidas relacionadas com a política monetária. Por outro lado, ao nível dos órgãos, temos também um Comité de Estabilidade Financeira, um órgão interno nosso que tem a responsabilidade de olhar pela estabilidade do sistema financeiro, particularmente ao nível das instituições por si supervisionadas”, indica.
Tiago Dias avança que têm estado a trabalhar com os bancos comerciais, enquanto principais parceiros, no sentido de prover recursos, principalmente para os sectores prioritários, que são aqueles que se dedicam à produção de bens essenciais de consumo, para que efectivamente a oferta dos mesmos possa contribuir para a estabilidade dos preços na economia. Por outro lado, diz estarem a trabalhar também com o Executivo, em termos de coordenação de políticas, para que possam ser criadas as condições necessárias do lado da oferta para que se alcance a estabilidade de preços. “Nós temos estado a dizer que a estabilidade de preços não é só uma preocupação do banco central ou do Executivo, mas deve ser uma preocupação de todos os agentes económicos”, enfatiza.
E por considerar o tema da estabilidade de preços “transversal”, o banco central garante estar a interagir “bastante” com os operadores económicos, principalmente aqueles que produzem bens essenciais de consumo, assim como outros que no fundo têm também responsabilidades ao nível da cadeia de distribuição desses mesmos bens, com base no trabalho que tem estado a ser feito, quer do lado da oferta, no sentido do aumento duma maior disponibilidade de bens, e, por outro lado, actuando no controlo da liquidez na economia, sendo esta última uma responsabilidade exclusiva do BNA.
Embora considere que os bancos desempenham um papel crucial no que diz respeito ao financiamento da economia, Manuel Tiago Dias corrobora com a ideia de que a actividade comercial dos bancos ainda não corresponde às expectativas do país. “Ainda não é totalmente satisfatória, porque nós constatamos que o essencial dos proveitos dos bancos comerciais provém do financiamento ao Governo, por um lado, e, por outro, das operações cambiais.” Para o governador, o ideal seria que o essencial dos proveitos dos bancos tivesse origem na concessão de financiamento à economia.
Entretanto, aponta ser notória uma “significativa” evolução no que diz respeito ao financiamento à economia, desde 2019, com a implementação do Aviso n.º 10, tendo inclusive os bancos comercias se estruturado internamente, criando áreas específicas destinadas à concessão de créditos ao sector real da economia. “Agora, posto isto, é importante também vermos do outro lado, dos clientes, onde notamos uma tendência que nos preocupa relativamente ao crédito malparado. Ainda continuamos a pensar que o crédito bancário não é para ser reembolsado. É um erro. Quanto mais altos forem os níveis de crédito malparado, maior será o nível de exigência por parte dos bancos para concessão de crédito”, alertou.
Em 2019, o BNA instituiu o Aviso n.º 10, que obriga os bancos comerciais a concederem crédito ao sector real da economia, no mínimo de 2,5% da sua carteira de activos. No fundo, é um aviso destinado ao financiamento do sector produtivo, em que a agricultura, a silvicultura e as pescas são fundamentais. O aviso estabelece taxas de juro bonificadas, que vão de 7,5% a 10%. Por outro lado, os bancos comerciais, quando concedem financiamentos no âmbito do referido aviso, podem solicitar a dedução destes financiamentos das Reservas Obrigatórias, que são recursos que os bancos comerciais têm junto do Banco Nacional de Angola.
“Quando mais alto forem os níveis de crédito malparado, maior será o nível de exigência por parte dos bancos para concessão de crédito”
O n.º1 do banco central angolano garante que os bancos comerciais têm recursos disponíveis para financiar os agentes económicos, mas que, no entanto, a dificuldade reside muitas vezes na viabilidade económica e financeira das ideias que estes remetem à banca e também na apresentação de garantias. “Como sabem, infelizmente, nós temos um conjunto de constrangimentos, a começar pela posse da terra, os títulos de propriedade, que fazem com que a maior parte dos agentes económicos ainda tenham dificuldades para fazer apresentação de garantias junto aos bancos comerciais, que os habilitaria a obter crédito”, apontou, lembrando que os bancos comerciais trabalham com recursos alheios, dos aforradores, e que para concederem crédito têm de ter garantias do retorno dos financiamentos concedidos.
Este dilema terá levado já o banco central a tomar um conjunto de iniciativas e a estar a realizar um conjunto de conferências sobre a matéria. “Lembro-me de que, no âmbito do ciclo anual de conferências do Banco Nacional de Angola, esses temas também já foram discutidos, e temos estado a interagir com diversos intervenientes neste processo para que efectivamente se possa encontrar aqui soluções”, nota.
Apesar dos constrangimentos, graças ao Aviso n.º 10 terá sido possível financiar, com recursos relativamente importantes, o sector produtivo, e particularmente o sector da agricultura, silvicultura e pescas, que, segundo Tiago Dias, antes do Aviso n.º 10, praticamente não beneficiavam de financiamento algum. “Com o Aviso n.º 10, os financiamentos destinados ao sector da agricultura cresceram consideravelmente”, realça. No total, o Aviso n.º 10 permitiu já financiar mais de 1,2 bilhões de kwanzas (cerca de 1,3 mil milhões de dólares ao câmbio actual).
Mercado cambial e inflação
A moeda angolana registou, em 2023, uma significativa depreciação de 39%, principalmente nos meses de Maio e Junho, mantendo-se desde aí estagnada.
O governador do BNA explica, no entanto, que o que se passa com o kwanza não é mais senão o reflexo da procura e da oferta a nível do mercado cambial.
“Nós, no âmbito da liberalização do mercado cambial iniciada em 2018, acabámos também por adoptar um regime de taxa de câmbio flexível que está a ser implementado desde 2019 e no âmbito do normal funcionamento do mercado, de acordo com o regime de taxa de câmbio flexível em função da procura e da oferta de moeda estrangeira, é normal que a nossa moeda nacional vá registrando flutuações que podem ser para cima ou para baixo, tendo em conta a maior ou menor oferta de moeda estrangeira. E é isso que tem estado a acontecer a nível do mercado cambial”, justifica.
O gestor admite que este quadro tem influência na vida das pessoas e faz saber que o foco da instituição que dirige não é tanto a apreciação ou a depreciação da taxa de câmbio, mas, sim, a estabilidade dos preços na economia do país, uma vez considerar que “são os preços que afectam directamente os consumidores” e em última instância a vida das pessoas. “Por isso é que nós entendemos que a estabilidade nos preços na nossa economia acaba por ser o vector principal para a estabilidade da moeda nacional”, salienta.
Entretanto, para que se tenha estabilidade dos preços e da taxa de câmbio, deve olhar-se para o equilíbrio dos diversos sectores de actividade económica, começando pelo sector real, a produção de bens e de serviços. “É necessário que haja efectivamente aqui um aumento muito substancial, particularmente dos bens essenciais de consumo, para que a procura interna desses bens possa ser satisfeita com a produção nacional. Quando nós alcançarmos produção capaz de satisfazer as necessidades internas de consumo, devemos também olhar para a exportação de excedentes e com isso contribuir então para que o petróleo deixe de ser o único bem de exportação”, defende o líder do BNA.
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