O pitch de Nelson Évora

Comecei a minha carreira aos 8 anos, e durante a minha trajectória tive momentos bons e maus, mas sempre ultrapassei essas dificuldades com bastante resiliência. Graças a Deus, os meus pais ensinaram-me como lidar com as dificuldades da vida. Hoje, as pessoas não têm noção de como trabalhei para chegar aonde cheguei. Na altura, se…
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De origem cabo-verdiana e com várias medalhas na vitrina do triplo salto, Nelson Évora elevou várias vezes o nome de Cabo Verde e de Portugal com o seu jeito diferente de dar saltos.
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Comecei a minha carreira aos 8 anos, e durante a minha trajectória tive momentos bons e maus, mas sempre ultrapassei essas dificuldades com bastante resiliência. Graças a Deus, os meus pais ensinaram-me como lidar com as dificuldades da vida. Hoje, as pessoas não têm noção de como trabalhei para chegar aonde cheguei.

Na altura, se tivesse de fazer algum desporto, seria o futebol. Quando era mais novo, tinha bastante jeito, mas o atletismo é mesmo a minha paixão. Ficava fascinado quando via aquelas cores todas na televisão e as pessoas a competir umas com as outras. Realmente, era algo que me fascinava e que me chamava muito a atenção.

Fui muito criticado por não seguir uma carreira “normal”, do tipo ir para universidade e ter um emprego como tal, mas sabia o que realmente queria e sempre contei com o apoio dos meus pais.

Em 2024 vou fazer a minha última competição nos Jogos Olímpicos, em França. Penso que já dei o que tinha de dar ao atletismo. Não tenho mais nada a provar ao mundo. Vou fazer 40 anos e penso que é o momento ideal para me retirar do atletismo. Já tenho outros projectos em mente e vou cumprir a promessa que fiz aos meus pais de voltar a estudar. Penso tirar Marketing e Publicidade. Não tenho certeza, mas quero realmente focar-me noutras paixões em caminhos diferentes.

Tenho registos de várias lesões na minha carreira, mas nenhuma delas me conseguiu vencer. Sempre superei com determinação. Neste momento, por exemplo, estou a recuperar de uma microcirurgia para fazer a limpeza em alguns tecidos, mas nada de grave. Já deixei as muletas. Agora estou apenas na fisioterapia e estou quase pronto para poder competir nos Jogos Olímpicos de 2024.

Tenho perfeita noção de que o triplo salto é a disciplina mais dura do atletismo. O movimento inicial do triplo salto, que é a pé coxinho, a alta velocidade, é um movimento antinatural. E todo o processo de treino, com muitas repetições deste movimento, acaba por fazer mal à saúde. Quando um salto é bem feito, sentimo-lo como um só e não como um triplo salto.

Fazemos com que a energia flua connosco. Quando chegamos ao último salto, a única coisa que queremos é estar muito equilibrados e muito perto da caixa de areia. Se assim for, temos a consciência de que vai ser um grande salto.

Na vitrina dos meus troféus, penso que não falta mais nada, conquistei tudo o que tinha de conquistar. Aliás, tudo o que fiz, fi-lo da melhor forma possível e com muita dedicação. Sou uma pessoa dedicada em tudo o que faço. Dei o meu suor no atletismo, e não será diferente quando abraçar outros desafios.

Representei Portugal em 2004, com apenas 20 anos, nos Jogos Olímpicos em Atenas. Em 2007, participei no Campeonato Europeu em Pista Coberta em Birmingham no triplo salto, obtive o 5.º lugar. Nesse mesmo ano, nos Mundiais de Osaka, entrei para a história, sagrando-me campeão do mundo de triplo salto com a espetacular marca de 17,74 m. No ano seguinte fui campeão olímpico em Pequim, realizando um dos meus sonhos de criança. Numa prova difícil, acabei a competição ao 4º ensaio, registando um salto de 17,67 m.

“Na vida temos de seguir em frente e ser o mais fortes possível. Não sabemos o que vem pela frente, precisamos de ter maturidade e entender que as luzes um dia se apagam”

Apesar de várias lesões consecutivas, demonstrei a força de vontade ultrapassando-as, tanto que, em 2015, consegui a medalha de ouro nos Europeus, e a de bronze nos Mundiais.

Em 2017 voltei a destacar-me com a renovação do título europeu e uma medalha de bronze no Mundial, e, em 2019, conquistei a medalha de prata no Campeonato Europeu de Atletismo em Pista Coberta, em Glasgow.

Voltei às competições, no Meeting de Atletismo de Huelva, em 2023, concluindo o concurso do triplo salto com um modesto registo de 15,61 metros e o 7.º lugar da classificação final.

Temos de amar o que fazemos, e senti-me muito ligado ao desporto que escolhi. É o meu segredo: estava sempre a imaginar o movimento que tinha de fazer quando estava fora das pistas, treino mais horas do que o normal, uma vez que todos os dias o corpo é levado ao limite nos treinos, com a certeza de que um dia vai falhar.

A exigência que nos é imposta não corresponde ao sacrifício que nós fazemos. As pessoas não têm a noção de que nós temos de pôr de parte muita coisa para podermos fazer desporto. Tirando o futebol, em que se ganha muito bem, todas as outras modalidades não são tão bem remuneradas.

Eu arrisco dizer que os atletas que fazem desporto de alto rendimento o fazem porque gostam de desporto. O meu pai, quando falava do que era fazer desporto no tempo dele, dizia que se fazia desporto por prazer. Infelizmente, ainda é assim.

Embora, actualmente, existam mais contrapartidas, as pessoas não têm a noção do que nos é exigido. Querem que sejamos os melhores do mundo, mas não nos é dado apoio em troca. E isso é um pouco ingrato, existe sempre um sentimento de injustiça. Quando conseguimos lá chegar, dizemos: lutei tanto para aqui chegar, e acho que não vou ter o tratamento devido por ser o melhor.

Tenho os melhores e os piores momentos que vivi na minha vida quando competi nos jogos Olímpicos de Pequim em 2008. Foi um momento agridoce. Na época, o meu pai estava a lutar pela sua saúde, nunca vou me esquecer desta data.

Sinto-me realmente realizado, embora um atleta nunca esteja satisfeito com aquilo que tem, estamos sempre em busca de algo, às vezes é um contraditório querer conquistar tudo, mas sempre há algum vazio para preencher nesta busca. O atleta que me serviu de inspiração enquanto era muito jovem é o Javier Sotomayor, recordista. Graças a Deus, tive o privilégio de o conhecer pessoalmente.

Levo a vida com muita simplicidade, quer a nível profissional quer pessoal. Na vida, temos de seguir em frente e ser o mais fortes possível. Não sabemos o que vem pela frente, precisamos de ter maturidade e entender que as luzes um dia se apagam para nós, somos humanos e vergamos. Precisamos de tempo para ser fortes para sairmos das situações mais complicadas, no meu caso, do desporto. A nível físico e mental, também chega uma altura em que temos de parar.

Para mim não faz sentido ser o melhor triplo saltador do mundo e bater recordes, se isso não me fizer feliz, se não me fizer completo. O principal motivo da vida é ser feliz e o amor que podemos ter entre amigos e a família. Sou um homem feliz por ter amigos e família sempre ao meu lado, o que realmente posso pedir mais? Fiz o meu percurso com dedicação, quer como atleta, quer como pessoa normal.

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