Opinião

Um olhar moderno sobre a Guiné-Bissau

Aissatu Ture

Aissatu Ture
A Guiné-Bissau é um país que se situa na cauda do ranking do desenvolvimento humano com os seus habitantes a viverem com menos de 2 USD por dia, uma esperança média de vida de menos de 48 anos e com o acesso aos cuidados básicos de saúde e a qualidade de educação sendo ainda uma…

A Guiné-Bissau é um país que se situa na cauda do ranking do desenvolvimento humano com os seus habitantes a viverem com menos de 2 USD por dia, uma esperança média de vida de menos de 48 anos e com o acesso aos cuidados básicos de saúde e a qualidade de educação sendo ainda uma miragem de um amanhã melhor.

Ao falarmos da situação dos jovens guineenses estudantes ou recém-licenciados, na Guiné-Bissau, é necessário focar em uma análise SWOT (strengthen, weaknesses, opportunities and threats) da juventude, que leva-nos obrigatoriamente ao encontro dos desafios que enfrentam, desde o inicio do processo da sua formação até ao termino dos estudos ou profissionalização.

Desafios estes com as greves enraizadas no ensino guineense, a falta de meios económicos para o pagamento de propinas que em grosso modo se assumem completamente dispares à realidade social e económica guineense, a falta de materiais didáticos e pobreza familiar.

Reconheço que os jovens guineenses vão em busca cada vez mais do conhecimento, porque compreendem os desafios da actualidade com as tecnologias de informação.

Apesar das remotas condições de acessibilidade padrão, verificamos um aumento bastante significativo quanto ao acesso à educação profissionalizante nos últimos cinco anos.

Hoje em dia, mesmo nas zonas mais recônditas do país encontramos jovens com um smartphone. Isto porque o jovem guineense quer acompanhar em tempo real o que se passa pelo mundo fora, quer estar em constante actualização.

A Guiné-Bissau, não apresenta um sector privado forte que permite um vasto número de postos de trabalho para a camada jovem. Contudo, temos visto vários jovens a ingressarem nos bancos da ‘’praça guineense’’ e nas companhias de telecomunicações, mas esses jovens não representam nem 1% da juventude guineense.

Assim como o mundo avança é inegável que esse mesmo avanço traga com ele efeitos adversos, como é o caso do consumo de estupefacientes como os ‘’MD’’ e ‘’iamba’’ pela camada juvenil guineense, este fenómeno que ainda se representa como algo de novo na nossa sociedade advém de múltiplos factores, como o da pobreza enraizada no seio familiar e a falta de motivação. Contudo é necessário que o Estado invista  fortemente em políticas pro juvenil.

 Penso que a Constituição é o pilar fundamental de um Estado de direito democrático. Todos os cidadãos devem se submeter a Constituição e às leis, independentemente de qualquer posição ou ideologia partidária. Agora, tenho que reconhecer que a Guiné-Bissau é um Estado frágil e em construção, com apenas três décadas e meia de democracia.

A construção de qualquer Estado que se quer democrático é um processo que pode levar algumas décadas, mas acredito que todos juntos conseguiremos chegar lá. Não tenho dúvidas da capacidade dos guineenses quando se juntam para atingirem os objectivos que pretendem. A meu ver, o mais importante é estarmos unidos e colocar a Guiné-Bissau em primeiro lugar, não obstante podermos ter visões diferentes do mundo. Eu acredito que o nosso país é viável e temos muitos recursos humanos que o  poderão transformar em uma Suíça de África.

“A construção de qualquer Estado que se quer democrático é um processo que pode levar algumas décadas, mas acredito que todos juntos conseguiremos chegar lá.”

As minhas referências de vida, são sem sombra de dúvidas os meus pais. Sou filha de uma criança ‘’talibé’’, que no contexto guineense são crianças que são levadas para escolas madraças com o intuito do ensino e memorização do Corão, e que são obrigadas ao trabalho forçado e a sobrevivência através da munificência de terceiros.

Digo que são a minha referência de vida, porque apesar das atrocidades vividas, nunca desistiram de acreditar em um futuro risonho. O meu pai passou de criança ‘’talibé’’ para um homem de referência no sector privado guineense, sendo considerando e reconhecido por entidades competentes, por mais de duas vezes, “empresário do ano”. De realçar, que  os meus pais perderam todo o seu património em 1998 aquando da guerra civil, instaurada na Guiné-Bissau.

O sentido de resiliência assente neles, motiva-me todos os dias. Fazendo-me acreditar que a vida é resumida na nossa capacidade de acreditar que fases menos boas estão sempre acompanhadas de superações e vitórias. Penso que a vontade de progredir na vida é legítima e inerente à condição humana.

Todos nós queremos ir para a frente e prosperar na vida. A luta para obtenção de lucros e ganhos tem dominado o mundo e, em certos casos, sem levar em conta os valores como a dignidade, honra e honestidade. Contudo, penso que existem muitas pessoas bem intencionadas que se guiam com base em princípios e valores. Não estou a querer dizer que o mundo está cheio do “bom samaritano”, não. Não é isso! Penso que, não obstante estarmos dominados pelo mundo capitalista onde o dinheiro é importante, mas penso que não é o mais importante. Existem valores mais importantes na vida que nos tornam muito mais felizes do que o dinheiro.

Acredito que tudo na vida é guiada pela força das nossas necessidades, necessidades essas que tem de andar de mãos dadas com os valores, ética e bom senso.

Todavia, cabe-nos a nós, enquanto pessoas de bem, não deixarmos que as nossas necessidades nos estrangulem a ponto de não sabermos equivaler os nossos valores, tornando as nossas necessidades algo imperial e equidistante aos nossos valores.

É crucial um engajamento sério por parte do Estado, em tudo e qualquer sector que envolva o bem-estar da juventude.

É preciso permitir ao jovem guineense capacidade de ousar e de sonhar alto. Ter a percepção da inovação para além do que a sociedade nos oferece, isto é, envergar uma outra posição que não a vida política. Investir e acreditar em outras oportunidades de emprego, como por exemplo o mundo agrícola, mas que hoje em dia, nenhum jovem aceitaria trabalhar para o campo ou abrir uma empresa em Bedanda no sector da região Administrativa de Tombali.

O jovem guineense tem vontade de vencer, mas a maior parte precisa de um ‘’empurrãozinho’’ ou de uma palavra de encorajamento que não se debruce em ofertas de oportunidades de trabalho no estrangeiro. É urgente tirar-lhes da cabeça de que para terem sucesso só é possível fora da Guiné-Bissau. É preciso devolver o sorriso no rosto do jovem guineense.

Daqui a 10 anos espero que cada guineense, saiba reconhecer o valor e o sacrifício da obtenção da nossa liberdade e nacionalidade. Que de facto daqui a 10 anos possamos honrar e dignificar todos aqueles que deram o seu sangue e suor para construção e independência do nosso povo.

Anseio por uma Guiné-Bissau, próspera e de uma sociedade unida por um único propósito, a paz e o desenvolvimento. Uma democracia estável e ininterrupta. Que daqui a 10 anos, fale-se da Guiné-Bissau, não como uma opção, mas sim como a primeira escolha de todo e qualquer guineense.

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