Nasci em Lisboa, em 1986, ano do mítico Campeonato do Mundo de Futebol disputado no México, da adesão de Portugal à União Europeia e do infame acidente nuclear de Chernobyl. Época áurea da carreira de Madonna e do lançamento de Master of Puppets, de Metallica. Altura da estreia de Platoon e Top Gun nas salas de cinema mas também da publicação de A Jangada de Pedra, de José Saramago, e It, de Stephen King. Ano em que faleceu Joseph Beuys e em que Basquiat atingiu o auge da sua carreira. Um ano desafiante em que o mundo foi marcado por contrastes e tensões. Liberdade de expressão e luta! Foi neste contexto que vim ao mundo.
Sou filho de um “sampadjudo” e de uma “mulher do Norte”, vivi a maior parte da minha vida em São João do Estoril, mas estive sempre dividido entre as terras dos meus pais: Portugal e Cabo Verde. Sem nunca pertencer a nenhuma delas. “Ami é branko na Cabo Verde e cabrito na Portugal”, diz-se em crioulo. Sempre me senti estrangeiro “em casa”. Mas aprendi a rir-me dessas coisas, e agora faço dessa “fraqueza” a minha força. Sou orgulhosamente português e cabo-verdiano. Não tenho de escolher. Sou os dois. Está-me no sangue, e sou feliz assim.
Sou um português que cresceu a comer cachupa na casa da minha avó Bia, a ouvir vinis d’Os Tubarões e Voz de Cabo Verde e a conhecer o Barlavento e o Sotavento através dos slides projectados na parede da sala, regados a grogue que chegava a nossa casa em garrafas de Petromax acompanhado de queijo de terra e doce de papaia embrulhados em alumínio. Mas também sou o crioulo que adora arroz de cabidela, o mar frio de Espinho, a luz de Lisboa, os estendais de roupa branca, a essência castiça das tascas e que nunca mas nunca se esquece das camarinhas do Tio Pereira.
Sou um paradoxo. Filho da Colonização e da Diáspora, de África e da Europa, do tempo das fronteiras e da Internet. Das cassetes e do streaming, das cartas e dos e-mails, da televisão de caixa com botões e das notificações no smartwatch. Das cabinas de telefone e do FaceTime. Sou tudo isso e muito mais. Talvez por isso a memória seja tão importante para mim. A cultura, a tradição, as histórias. Todas dependem da memória, que é provavelmente o tema comum em todos os meus trabalhos. Sem ela, não me faz sentido pintar.
Desenhar sempre foi o que mais gostei de fazer na vida. Cresci com a arte, não foi uma opção. O meu pai e os meus tios são pintores, e a minha mãe é designer. Passava o dia a ver as bandas desenhadas do John Buscema, Frank Miller e Alex Ross. Sempre me senti mais confortável a desenhar do que a falar, e nunca tive dúvidas de que o meu futuro iria passar pela arte. Formei-me em Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, mas a pintura sempre foi o meu “guilty pleasure”. A verdade é que eu não queria ser pintor. Adorava pintar, mas não queria viver das artes plásticas. Sentia uma grande pressão por ter o nome de família que tenho, sabia o que custava viver da arte, e acabei sempre por fugir dessa ideia.
No fundo, comecei a pintar porque sentia que não era feliz a fazer outra coisa, e, à medida que pinto mais e mais, apercebo-me de que realmente é na pintura que me encontro e me realizo, independentemente de todas as dificuldades. Por isso, o que é que eu posso dizer? Nos dias em que consigo pintar, sou feliz, e a vida é uma beleza. Nos dias em que a coisa não corre tão bem, tento distrair-me e fico à espera da próxima oportunidade de ser feliz. A minha vida é basicamente um equilíbrio disfuncional, como eu. A minha mãe costumava dizer: “Ele é balança, mas não é lá muito equilibrado. Está sempre à procura do equilíbrio!” E, claro, as mães têm sempre razão.
Em 2015 decidi dedicar-me à pintura em full time e progressivamente fui reservando o design e a ilustração para colaborações pontuais. Um ano depois fiz 8 obras para a exposição Ópera Chinesa no Museu do Oriente, pintei um frigorífico comunitário para a Fábrica Alcântara Mar e participei no Longboard Amieira. Em 2017 estive na Bienal de Cerveira, fiz a exposição Duas Gerações, Quatro Artistas com o meu pai e os meus tios no Palácio da Cultura Ildo Lobo e comecei a colecção de músicos de Cabo Verde. Um projecto que ia mudar a minha vida mas que tinha um objectivo muito simples: homenagear o meu pai, a minha família e todos os que me mostraram Cabo Verde, particularmente os músicos que merecem ficar na história e não apenas na capa dos CD. Porque, num país em que metade da população vive fora, os músicos são os maiores e principais embaixadores do arquipélago no mundo. Tocam e cantam as memórias, tradições e cultura cabo-verdiana. Encarnam o espírito não só da diáspora, mas também da imigração e da eterna ligação das famílias com as suas raízes. São um autêntico museu vivo nas várias zonas urbanas da diáspora espalhadas pelo mundo e merecem ser retratados e imortalizados para que os seus rostos sejam tão conhecidos como as suas músicas.
Felizmente a colecção continuou a crescer anualmente, até 2020, e aos retratos de Bana, Cesária Évora, Paulino Vieira e Lura, juntaram-se Ildo Lobo, Tito Paris, Mayra Andrade, Luís Morais, Manuel d’ Novas, Celina Pereira, Dino d’Santiago, Ferro Gaita, Humbertona, Élida Almeida, Armando Tito e Orlando Pantera totalizando um grupo de 16 telas e, por conseguinte, a minha maior colecção.
Nos anos seguintes fiz várias exposições em Portugal e Cabo Verde onde procurei explorar as minhas raízes e, paralelamente à expansão para outros palcos internacionais na Europa e no continente americano, retratei vários artistas como Luís Represas (2018) e Madonna (2020).
Infelizmente a pandemia veio travar um pouco tudo isso, mas… nunca fui de ceder e muito menos de desistir! Por isso, mal tive oportunidade, inaugurei uma exposição de 2 pisos no Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa. No primeiro pìso expus toda a colecção dos 16 retratos de músicos de Cabo Verde, e no segundo piso fiz uma individual dedicada à memória e onde destaco um quadro em particular, o Mundu Nobu, Cidade Velha. Foi um sucesso tremendo e um marco na minha carreira e na minha vida.
Desde então inaugurei várias exposições internacionais, retratei o Valete (2022), fiz os retratos dos primeiros cabo-verdianos que deram nome a um espaço nos Estados Unidos da América, em Connecticut, no Trinity College, fiz a capa de vários livros em Portugal e em Cabo Verde e estou cada vez mais presente na diáspora e no mercado americano.
Nunca pensei que tudo isto fosse possível, mas, se há coisa que tenho aprendido nos últimos anos, é que não podemos controlar a vida. Na maioria das vezes só podemos mesmo decidir como reagimos ao que acontece, e isso por si só já é muito!
Quero viver! E viver bem, tranquilo e consciente de que o pouco que faço na minha vida tem impacto. E é isso que pretendo fazer!
Em 2025 quero reforçar a minha presença nas escolas, em eventos solidários e nas causas, mas também nas galerias, museus e instituições pelo mundo. Quero mostrar às crianças que é possível viver da arte, ainda que não seja fácil, e quero mostrar ao mundo quem sou, sem filtros e também sem ter de me explicar. Se há coisa que sei agora, é quem sou. E tenho muito orgulho disso! Que venha o mundo…