Tamanho da economia não é sinónimo de potência industrial nos PALOP

O Índice de Industrialização de África do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da União Africana, referente ao ano de 2022, coloca Moçambique como o mais industrializado entre os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e mostra que as maiores economias nem sempre são as mais bem estruturadas, no que à indústria diz respeito.…
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Entre os PALOP, Moçambique foi o que mais avanços registou na industrialização, segundo o BAD. No global, o continente africano registou progressos encorajadores na industrialização, entre 2010 e 2022, tendo a contribuição da indústria para o PIB aumentado 130%.
Economia

O Índice de Industrialização de África do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da União Africana, referente ao ano de 2022, coloca Moçambique como o mais industrializado entre os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e mostra que as maiores economias nem sempre são as mais bem estruturadas, no que à indústria diz respeito.

Um exemplo disto mesmo é Cabo Verde, que, embora não apresente uma economia robusta, está bem próximo de Moçambique no “nível médio” de industrialização (0,5), superando Angola – considerada a maior economia entre os países do bloco –, que se encontra no “nível médio baixo”, entretanto, acima da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe, que no Índice de Industrialização do BAD se posicionam no “nível baixo”.

Dados da União Africana dão conta de que, neste período, foram apoiadas 35 zonas económicas especiais e ainda o desenvolvimento e o reforço de 30 parcerias público-privadas. Um movimento robusto, que só não foi melhor por conta de eventos inesperados, como os casos da pandemia de covid-19 e a invasão russa à Ucrânia, como afirmou o director para o desenvolvimento industrial e comercial do Banco Africano de Desenvolvimento, Abdu Mukhtar, na cerimónia de apresentação do Índice de Industrialização de África.

Vejamos então como é que estão os PALOP em termos de industrialização das suas economias, sabendo-se desde já que Moçambique é o que melhor se posiciona, fazendo fé nos dados divulgados pelo Banco Africano de Desenvolvimento e por outras organizações.

ANGOLA

A questão da indústria em Angola tem desde logo a pressão da proximidade da África do Sul, o país mais industrializado do continente, como indicam os dados do relatório do BAD, e ainda a pressão da aceleração da materialização da Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA).

Como se já não bastasse essa pressão, os números do sector ainda complicam mais a situação do segmento industrial angolano, onde das 2693 unidades industriais identificadas pelo Ministério da Indústria e Comércio como tendo a sua a situação jurídica definida, apenas 17% têm alvará. Dito de outra forma, apenas 458 indústrias têm licença que lhes permite desenvolver a sua actividade.

Apesar do plano ambicioso que culminou com a construção na Zona Económica Especial (ZEE) Luanda-Bengo – que tinha na essência o impulso da pequena indústria nacional –, Angola está na linha de baixo da industrialização do continente, perdendo para economias menos robustas, como os casos de Moçambique e Cabo Verde, na lusofonia africana.

O ponto positivo, entretanto, é que o país tem um plano para indústria. Um plano que aponta para 2025, e define, entre outras coisas, o crescimento sustentado do peso da indústria transformadora no produto interno bruto (PIB), passando dos actuais 6,6% para mais de 9% em 2025.

O mesmo projecta uma diminuição das importações de produtos industriais em proporção do PIB industrial de 144% para menos de 130% em 2025.

O olhar sobre o Plano de Desenvolvimento Industrial de Angola 2025 do Ministério da Indústria e Comércio é de desconfiança, “por ser pouco ambicioso”, como apontam os mais críticos, mas também “de noção de realidade”, para os mais optimistas. A verdade é que Angola foge ao registo de planos mega-ambiciosos, com metas que fazem pensar que muito trabalho será necessário para este, que aposta em coisas claramente concretizáveis.

CABO VERDE

Cabo Verde figura na 2.ª posição da lista dos mais industrializados da lusofonia africana, seguido por Angola e só atrás de Moçambique, apesar de não ser um país conhecido por ter uma grande base industrial, sendo a economia deste arquipélago composta principalmente por sectores como turismo, agricultura, pesca e serviços.

O país presidido por José Maria Neves destaca-se em áreas como o processamento de alimentos, bebidas e produtos de tabaco, bem como na produção de produtos químicos e materiais de construção. Um avanço que só é possível por conta do empenho do Governo cabo-verdiano, que tem mostrado interesse em diversificar a economia e promover o desenvolvimento industrial para, justamente, reduzir a dependência mais crítica dos sectores mais tradicionais, como o caso do turismo.

Porém, a 31.ª posição no índice de industrialização do continente e um Índice de Produção Industrial no sobe e desce mostram bem que há ainda muito por ser feito no sector em Cabo Verde, onde o desenvolvimento deve estar alicerçado, sobretudo, na implementação de parcerias estratégicas e investimentos em infra-estruturas. Só assim se poderá impulsionar o crescimento industrial, criar empregos e se alcançar a tão almejada redução da dependência de importações.

No caso de Cabo Verde, chama ainda a atenção a preocupação pela busca por fontes de energia renováveis e a adopção de práticas sustentáveis para promover um desenvolvimento industrial equilibrado e duradouro. Dito de outra forma, o país que já é um exemplo no campo da democracia quer industrializar-se, mas não quer fazê-lo de qualquer forma, quer que seja sustentável.

MOÇAMBIQUE

No livro O Percurso Industrial de Moçambique e o Desafio da Transformação Económica, o Centro de Integridade Pública (CIP) dá nota de que o Acordo Geral de Paz abriu espaço para o florescer do sector industrial. Aliado a isso, lê-se, havia o compromisso da erradicação da pobreza como prioridade do então Governo de Joaquim Chissano.

Com estas linhas como fundamentais, o Governo moçambicano avançou para um plano para o sector industrial que, numa primeira etapa de médio prazo (1997- -2007), visava consolidar o crescimento que vinha sendo registado no sector, continuar com a sua reabilitação e modernização, bem como criar as melhores condições para a sua expansão. Enquanto na segunda etapa, que cobre o longo prazo (1997-2012), visava expandir o sector, incluindo as alterações à sua estrutura, com foco no desenvolvimento de uma indústria exportadora, com base na valorização de vantagens comparativas potenciais que advêm dos recursos naturais e geoeconómicos.

Projectos são sempre projectos, dizem os pensadores, mas a verdade é que, neste período, o PIB cresceu numa média de 8% por ano, sendo 1 ponto percentual (pp) acima do previsto, como deixam perceber os dados constantes no livro O Percurso Industrial de Moçambique e o Desafio da Transformação Económica.

O mais relevante é que a contribuição do sector industrial no PIB foi crescendo de forma consistente a uma média de 9%, sendo 2 pp acima do expectável na época. Em termos gerais, a contribuição da indústria saiu de 6%, em 1995, para 13%, em 2004. Podia ser sol de pouca dura, mas felizmente para os moçambicanos e para a lusofonia no geral os efeitos deste esforço ainda hoje são sentidos, e Moçambique é dos mais industrializado entre os lusófonos africanos, ocupando a 30.ª posição, à frente de Cabo Verde e Angola, onde muito se faz e planeia, mas sem os resultados esperados, perdendo apenas para a Guiné Equatorial, que ocupa a 15.ª posição.

O ‘filme’ da indústria moçambicana tem muitos episódios, mas mostra fundamentalmente um compromisso de Estado, já que a mudança de presidentes não alterou a caminhada. Vejamos que começou com Joaquim Chissano, passou por Armando Guebusa, e agora o Governo do presidente Filipe Nyusi definiu, por meio do Programa Quinquenal do Governo (PQG) de 2015-2019 e 2020-2024, que a indústria continua a ser o motor para a transformação estrutural da economia nacional, com potencial para contribuir para a mudança qualitativa e a melhoria da sua competitividade, com vista à sua inserção no mercado regional e global.

Indo mais directamente à indústria propriamente dita, dizer que, no início de 2005, o ramo da metalurgia foi o primeiro a ganhar espaço com o arranque da fundição de alumínio, tendo começado com uma contribuição de 1% para o PIB, que um pouco mais tarde, mais propriamente em 2014, passou para 41%, com um pico de 74% em 2008. O ramo da produção alimentar ocupa a segunda posição, com uma contribuição média de 32%, e o dos minerais não metálicos a terceira, com uma média de 7%.

Os dados do Banco de Moçambique a que Forbes África Lusófona teve acesso indicam que, apesar de ser um dos objectivos da governação, o ramo têxtil consolida a sua queda, saindo de uma contribuição de 8%, em 2005, para 1%, em 2014, de onde não se afastou desde então, estando actualmente a rondar os 3%.

Mas nem tudo são coisas boas na indústria moçambicana. Veja-se que o Governo de Nyusi definiu, no seu PQG 2015-2019, um aumento de contribuição do sector no PIB, de 11%, em 2014, para 21%, em 2019. No entanto, no PQG 2020-2024 fez uma revisão em baixa dessas previsões, de 8,5%, em 2019, para 9,5%, em 2024. Acresce-se a isso o facto de que todos os Governos colocaram a modernização do sector como estratégica e prioritária, entretanto, falharam sempre em resolver os problemas básicos, “como a insuficiência e a instabilidade do fornecimento de energia eléctrica”, como apontam as vozes críticas no país.

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Constituído por um total de 14 ilhas e posicionado próximo da linha do equador, São Tomé e Príncipe (STP) possui uma economia de baixos rendimentos, marcada por deficiências estruturais significativas, portanto, altamente exposta aos choques externos e de importação.

Por outro lado, STP localiza-se numa zona rica em hidrocarbonetos, pelo que poderá beneficiar-se dessa exploração, aliás, já há movimentação de investimento directo estrangeiro para materializar a mesma, conforme os dados avançados pela imprensa local. Assim, prevê-se que o país lusófono venha a ter uma indústria petrolífera notável a breve trecho.

Mas os tempos de ver o petróleo como motor da economia ainda são apenas sonhos, já que, por agora, o país depende essencialmente da agricultura e do turismo. No sector industrial, destacam-se as cervejeiras, a produção de óleo de palma e ainda algum material de construção civil, sendo um destaque natural a produção de cacau.

Actualmente, São Tomé e Príncipe produz cerca de 3000 toneladas de cacau por ano, um pouco abaixo da Costa do Marfim, o maior produtor do mundo, com um volume de exportações 2% inferior, e isto num país cuja agricultura representa cerca de 20% do PIB e 80% das receitas oriundas das exportações do país, empregando mais da metade da população (60%).

Sobre a indústria do cacau, a primeira fábrica de chocolate em São Tomé e Príncipe é a Claudio Corallo Chocolate, fundada em 2000, pelo agrónomo italiano Claudio Corallo. Já a segunda fábrica foi a Diogo Vaz, fundada por investidores franceses. Em Julho de 2022 foi inaugurada a terceira fábrica de chocolate de São Tomé e Príncipe, sendo esta também a primeira fábrica de chocolate estabelecida por agricultores de café biológico no país.

É verdade que a indústria são-tomense é diminuta, mas o país é certamente aquele que pode servir de exemplo para os demais PALOP, já que a sua indústria tem um peso de 19% para o PIB, o maior contributo de todos os sectores, conforme mostram os dados do Countryeconomy.

GUINÉ-BISSAU

A Guiné-Bissau é um país essencialmente dependente da agricultura, que representa cerca de 54% do PIB. Um dos países mais pobres do mundo, com a economia dependente principalmente da agropecuária e da pesca. A indústria é quase que nula, e a que existe é centrada no suporte às plantações agrícolas. A pouca indústria que existe está toda virada para o processamento de produtos agrícolas e bebidas.

A Agência Nacional de Investimento da Guiné-Bissau indica que o sector da indústria inclui pequenas empresas que servem o mercado doméstico. A entidade governamental adianta também que o Governo procura o desenvolvimento do sector industrial, para torná-lo mais robusto, incluindo serviços secundários como a actividade bancária, de modos a fazer melhor uso da riqueza de matérias-primas do país, bem como da sua localização costeira e águas profundas que a tornam num excelente ponto de embarcação.

Não obstante isso, a indústria, o comércio e os serviços são responsáveis por 18% do total do emprego, num país em que grande parte da força de trabalho está na agricultura. Adiciona-se a exportação de peixe e frutos do mar, assim como pequenas quantidades de amendoim, palmito e madeira.

No campo da pesca, onde o país é igualmente forte, o Governo definiu três zonas de pesca, nomeadamente a Zona de Pesca Artesanal – de águas interiores e o mar territorial, a Zona de Pesca Industrial – que fica além das 12 milhas a partir da linha de base da costa – e a Zona Marítima Comum entre a Guiné-Bissau e o Senegal, mais propriamente azimutes 268º e 220º, medidos a partir do Cabo Roxo.

Esta movimentação, lê-se no documento do Governo, deve-se à elevada biodiversidade das suas águas, à extensa área da sua plataforma continental propícia à actividade piscatória, assim como aos vários acordos internacionais em vigor, um número significativo de embarcações de pesca industrial está presente na ZEE da Guiné-Bissau.

Não se consegue vislumbrar registos de uma indústria pesqueira como tal, mas fica evidente que a Guiné-Bissau tem potencial para vir a pensar numa indústria no sector.

GUINÉ EQUATORIAL

Com uma economia muito centrada no sector petrolífero, que ao mesmo tempo move o sector industrial, a Guiné Equatorial tem a agricultura como pouco relevante para o desempenho económico já que tem um peso de apenas 4% do PIB.

A dependência do petróleo data de 2004, quando a Guiné Equatorial se tornou o terceiro maior produtor de petróleo da África Subsariana. Na altura, a produção de petróleo subiu para 360 mil barris por dia, sendo que, dois anos antes, produzia apenas 220 mil. Não obstante, a silvicultura, a agricultura e a pesca também são importantes componentes do produto interno bruto. Assim, o amparo do sector petrolífero ao industrial leva a que a indústria tenha uma relevância de 90% da economia do país, como mostram os dados consultados pela Forbes África Lusófona.

Empresas como Total SA, Noble Energy Inc., Sociedade Nacional de GE e Marathon Oil Company dão corpo ao forte segmento dos petróleos do país.

Depois da recessão em 2023, com uma contracção real do PIB de 5,7%, devido à contracção do sector petrolífero, o Governo equato-guineense virou as baterias para uma aposta na diversificação da economia e consequente ampliação do sector industrial. Esta aposta recebeu amparo do Banco Africano de Desenvolvimento, que logo se prontificou a ajudar a promover cadeias de valor com elevado potencial de crescimento e de criação de emprego e desenvolvimento do capital humano e da governação, para apoiar a inclusão.

A estratégia do BAD visa apoiar a diversificação económica do país para um crescimento verde, inclusivo e resiliente, no sentido de acelerar a sua transformação estrutural.

Na 15.ª posição do ranking do Índice de Industrialização de África do BAD, muito melhor que Moçambique, Cabo Verde e Angola, a Guiné Equatorial sinaliza que é, sim, possível ter a indústria como motor da economia.

Acresce a isso que a Guiné Equatorial é o único lusófono que está no top 10 das performances industriais recomendáveis. Portanto, o país está no nível médio alto da tabela do índice de industrialização, ficando abaixo apenas da primeira parte da tabela, onde estão países de topo em termos de industrialização no continente, nomeadamente, África do Sul, Marrocos, Egipto e Quénia.

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