Lemos Mamadjã Hipólito Djata, é um pintor e escultor guineense, que tem transportado um pouco da Guiné-Bissau através das suas telas, no seu estilo mais realístico. Nascido a 28 de Março de 1981, em Bafatá, uma das cidades mais populosas localizada a leste do país, é pós-graduado em línguas e traduções pela Espírito Santos, em Évora.
Em conjunto com os seus irmãos, esteve em frente, durante quatro anos, da Bissau @Arte, uma associação dos artistas plásticos da Guiné-Bissau. A solo, já viajou pelos quatro cantos do mundo, apresentando a sua obra de arte. Conhecido no mundo artístico como Lemos Djata, em conversa com a FORBES ÁFRICA LUSÓFONA conta que ser pintor não fazia parte dos seus sonhos de infância.
“Por vezes pensamos que temos tudo para guiar o nosso destino a ponto de decidirmos o que queremos ser na vida. Isso acontece a todos e eu não sou uma excepção. Cheguei a pensar ser jogador da bola e depois economista. Nunca me passou pela cabeça que ia ser pintor”, começa por dizer.
Djata chegou a Portugal na sequência do conflito armado que iniciou em 1998 e terminou em 1999 na Guiné-Bissau. Este conflito gerou uma crise financeira que o levou, juntamente com os seus dois irmãos e um primo, a esculpir cabaças como forma de gerar dinheiro e consequentemente, ajudar em casa.
Progressivamente foi gostando do que fazia, depois da pintura, e daí para a frente começou a pintar com toda a sua alma. Confidencia que os seus melhores mestres foram a perseverança, apreciação e humildade. Djata afirma que sempre foi um artista com foco e disciplina no trabalho e que o grande segredo passa por identificar o ponto mais forte e trabalhar nele. “Depois as coisas vão acontecendo naturalmente”, garante.
Dentro dos vários estilos de arte o realismo é o privilegiado por representar a sabedoria, diz Lemos Djata. “Digo que em África, ou seja, na Guiné-Bissau o realismo representa a sabedoria e, como corrente artística, representa domínio sobre as restantes”, defende, para mais adiante afirmar que “todos os artistas, inclusive os emergentes, querem pintar realismo por ser mais atraente ao público”.
Segundo o artista, na europa vive-se a arte contemporânea, mas o seu realismo “já é um realismo clássico contemporâneo”, misturado com cubismo e rico em cores. “Essa minha técnica foi reconhecida muito cedo por grandes pintores que me aconselharam a seguir em frente e não me deixar perder”, sublinha.
Djata acrescenta que ainda assim, surgiram sempre vozes de colegas e galeristas a proporem que mudasse para arte contemporânea, pois com essa vertente poderia ganhar muito dinheiro. Porém o seu foco na arte também inclui educar o seu eu, deixar fluir os seus sentimentos artísticos e expor a verdade da arte.
“Graças a Deus todo-poderoso, hoje em dia a minha arte está a ser reconhecida pelos melhores museus, galerias, coleccionadores e academias conceituadas”, regozija-se. Em Bissau, as obras do pintor podem ser encontradas na Galeria de Irmãos Unidos, na Feira de Artesanato. O material necessário para executá-las, aponta, adquire o que pode no país e o que não há compra em Portugal ou na Inglaterra.

Valorizar a arte
O artista considera que todo o trabalho é merecedor de respeito, mas quem deve impor é quem o faz. Foi assim que, quando notou que o seu trabalho estava a ganhar muito respeito e apreciação, começou a resguardar-se em expô-lo em sítios que não eram dignos de acolher as suas obras. Outra estratégia foi deixar de vender as suas obras por preços que chama de “insignificantes”, passando a dar mais ênfase à qualidade do seu trabalho.
Começou a ser mais selectivo em tudo, inclusive na participação em exposições para as quais era convidado. Para além de investir mais no trabalho que faz, também os leva onde sente que terá mais relevância. Diz ter noção que o método não é o mais simples, mas, no entanto, assegura, é o que lhe tem trazidos mais pontos positivos.
Todos os processos têm as suas cronografias: umas com lágrimas, outras com mais gargalhadas, umas mais marcantes, outras nem tanto. No meio do trajecto, existem situações que a muitos deixam traços de superação e resiliência e é este o caso Djata. O pintor fala-nos de tempos muito difíceis por que passou, enquanto estudante em Évora, onde, lembra, chegou a partilhar uma bolacha com o irmão e mal conseguia comprar um sumo de 1 euro por falta de meios. Para se manter aquecido, acrescenta, tinha de vestir umas tantas camisolas.
Lemos Mamadjã Hipólito Djata partilha estas memórias com lágrimas a escorrer pelo rosto e olhos cintilantes. Em jeito de desabafo enfatiza: “faz tanta dor à alma saber que somos reconhecidos lá fora e não no nosso país que representamos”.

Qualidades reconhecidas ‘fora de portas’
O guineense conta que sempre foi difícil viver da arte, principalmente em Bissau, onde, diz, existe uma constante crise financeira e, quer os artistas quer a arte não são respeitados. “Eu como artista muito experiente já ultrapassei muitas barreiras e, graças ao meu trabalho e reconhecimentos internacionais, vou vivendo só e só da pintura”, garante.
“O meu percurso foi marcado por diversos êxitos, destacando o diploma e a medalha de Vermeil, que obteve em 2023, na Academie des Arts-Sciences-Lettres de Paris, uma das mais prestigiadas do mundo. Recebi também, em 2018, a medalha de ouro no Carrossel do Museu de Louvre, o mais famoso do mundo, em Paris. Ainda em 2018 ganhei o primeiro prémio sob jurado da National Galery, na galeria Arts Depot em Finchley, Londres. Tenho igualmente um reconhecimento internacional alcançado em Badajoz, Espanha, em 2010”, cita, enumerando as suas conquistas.
Como artista de nome internacional o seu maior sonho é ter uma galeria e uma escola de arte em Bissau, um sonho que continua a ser adiado por falta de financiamento. No entanto, Djata não se resigna. Enquanto isso, trabalhou com uma galeria londrina que acabou por cessar, assinando recentemente com uma galeria em Paris. Paralelamente trabalha com algumas associações artísticas que o representam.
“Faz tanta dor à alma saber que somos reconhecidos lá fora e não no nosso país que representamos”
As participações em mais exposições passam também pelos seus custos e pela parca presença de patrocinadores. Muitas propostas até vêm com alguma divisão de custos, entretanto, não deixam de ser altos investimentos “que na ausência de patrocinadores fazem muita diferença”.
No entanto na sua caminhada continua criando mais e imprimindo o melhor nos seus trabalhos. Para o próximo dia 14 de maio está prevista a participação de Djata no FEMUA 2024 – Festival da Costa do Marfim, em que a Guiné-Bissau é convidada de honra. “Vou expor e pintar ao vivo [no FEMUA 2024]. A par disso, tenho uma actividade artística que envolverá todas as regiões que constituem a Guiné-Bissau denominada ‘arte pelos direitos humanos’, promovida pelo PNUD”, adianta.
Para breve, prevê-se também a sua presença numa outra exposição no Qatar. “Também espero que haverá ainda mais galerias e museus interessados em expor as minhas obras, mais prémios por ganhar e que o meu país se dê conta dos meus êxitos e que me valorize”, augura.
A finalizar, Lemos Djata recorda que teve a oportunidade de representar Portugal uma vez em Espanha e que podia continuar, “mas escolhi representar a Guiné-Bissau durante toda a minha vida artística”.