“Se não tivesse a convicção da utilidade desta obra para a sociedade guineense, não perderia o meu tempo”

O antigo ministro da Economia e Finanças da Guiné-Bissau, no Governo liderado por Carlos Gomes Júnior e mais recentemente no consulado de Nuno Gomes Nabian e Umaro Sissoco Embaló, prepara-se para em co-autoria com Cheickh H. T. Sall e Mamadú M. Baldé (Larjan), lançar a 21 de Dezembro deste ano o livro intitulada “Trajetória da…
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Em exclusivo à FAL, o ex-ministro das Finanças da Guiné-Bissau, João Mamadú Fadiá, fala do livro “Trajetória da Economia da República da Guiné Bissau e os Desafios Futuros”, antes do lançamento.
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O antigo ministro da Economia e Finanças da Guiné-Bissau, no Governo liderado por Carlos Gomes Júnior e mais recentemente no consulado de Nuno Gomes Nabian e Umaro Sissoco Embaló, prepara-se para em co-autoria com Cheickh H. T. Sall e Mamadú M. Baldé (Larjan), lançar a 21 de Dezembro deste ano o livro intitulada “Trajetória da Economia da República da Guiné-Bissau e os Desafios Futuros”. Em antecipação, falou à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA sobre a esperada obra literária

É a sua terceira obra, já se assume como um escritor?

Confesso muito sinceramente que não me considero um escritor, pois o que me tem motivado até aqui a escrever sobre alguns temas é uma fervente vontade de deixar o meu testemunho para a sociedade guineense nas suas diferentes estruturas, nomeadamente social e profissional. E, recorrendo a um provérbio popular Mandinga que diz, “Antes de seguir para frente deves ter a retaguarda organizada”, entendo que a nossa rica história e experiências vividas devem ser partilhadas. Daí a minha aventura neste complexo mundo que é o da escrita.

Da Biografia, a um livro de histórias, o que lhe leva a escrever “A trajetória da Economia da República da Guiné Bissau e desafios do Futuros”?

Pois, como sempre referi durante as apresentações/lançamentos das minhas anteriores obras, o meu objectivo é partilhar experiências vividas. E, tendo tido oportunidade de exercer funções de relevo na área económica (Banca e Finanças) no meu país, a República da Guiné-Bissau, entendi que poderia, através desta obra, oferecer algo capaz de ser aproveitado nos diferentes sectores da nossa sociedade, nomeadamente pelos estudantes universitários, analistas/pesquisadores, actores políticos, etc., etc. Com efeito, este livro, contém informações e dados estatísticos sobre a situação económica da Guiné-Bissau desde o período de gestão pós-colonial até ao passado recente, incluídos nos capítulos da primeira e segunda parte do livro que intitulamos “De Onde Viemos: A Governação Económica da Guiné-Bissau – Da Independência até as Grandes Reformas”. E, para não ficarmos só a contar histórias, acrescentamos uma terceira parte que intitulamos “Para Onde Vamos: As Grandes Reformas Necessárias na Governança e Políticas Económicas e Socias da Guiné-Bissau”.

O que sugere esta última parte do livro?

Esta parte do livro, que considero muito importante, apresenta várias propostas de políticas económicas e reformas a implementar a médio e longo prazo, visando o desenvolvimento sustentável e um futuro melhor para os nossos concidadãos. De notar que utilizei o verbo no plural, pois para este livro escolhi dois economistas de gerações diferentes – o mais novo tem apenas 38 anos de idade e o segundo 53 anos de idade – para serem co-autores desta obra. Foi interessante a interação entre nós, pois apesar da convergência em quase tudo o que está escrito, registei que foi um exercício de complementaridade e de partilha de conhecimentos e experiências que, modéstia à parte, acabou por enriquecer o conteúdo do livro. Outra nota curiosa, é a escolha para o enquadramento no nosso livro da obra “Porque Falham as Nações: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, cujos autores Daron Acemoglou e James A. Robinson, foram agraciados com o Prémio Nobel da Economia de 2024. Foi uma escolha acertada, cremos nós, pois o trabalho desenvolvido neste livro tem no fundo, a preocupação porque é que a Guiné-Bissau não se desenvolve, tendo em consideração os recursos naturais que possui e as capacidades humanas existentes, por um lado, e, por outro, os avultados investimentos e apoios dos países amigos desde a independência [da Guiné-Bissau].

Acredita que esta nova obra, que será lançada em Bissau a 21 de Dezembro ainda deste ano, será útil para a sociedade guineense?

Sinceramente, se não tivesse a convicção da utilidade desta obra para a sociedade guineense, não perderia o meu tempo de quase dois anos a trabalhar neste livro. Como referi atrás, este livro contém informações importantes que abrangem a vida económica do país desde a independência até aos nossos dias. Os jovens estudantes e não só, vão descobrir que afinal o país, antes da castanha de caju, exportava principalmente a mancara (amendoín) e coconote.  Vão saber que nos primeiros anos da independência o sistema de gestão económica baseava-se na direcção central (planificação) e que praticamente o Estado era o principal agente económico e detentor de empresas públicas em todos os sectores da actividade económica; dos avultados investimentos com recurso a dívida externa cujo reembolso, desde então, já era um problema sério para as finanças do país. Igualmente, o livro irá permitir conhecer as grandes reformas implementadas, nomeadamente os programas de ajustamento estrutural induzidas pela necessidade de equilíbrio macroeconómico; o problema da gestão da moeda e crédito, alimentado pelo financiamento do elevado défice fiscal de então, que criou uma espiral inflacionista que grassava a economia guineense e que acabou por ser o motivo da integração do país na União Monetária da Zona do Franco, mas que foi precedida de um Acordo de Arranjo Monetário com Portugal.

“O obstáculo principal que explica os vários fracassos na implementação das estratégias de desenvolvimento do país, reside unicamente na direcção política que o país conheceu desde a sua independência.”

E o que mais os leitores poderão encontar no livro?

Enfim, levará os leitores a conhecer as grandes estratégias de desenvolvimento concebidas ao longo dos tempos, e os factores do insucesso na sua implementação, bem como os instrumentos de gestão orçamental e política fiscal existentes que se bem aplicados irão assegurar o equilíbrio das contas pública. Gostaria de acrescentar ainda, melhor insistir, que a terceira parte do livro versa sobre soluções para uma boa gestão económica do país, que pode ser conseguida através da valorização dos recursos naturais que existem, nomeadamente no sector primário (agricultura, pescas, pecuária), no sector secundário, através da produção de energia limpa, transformação de produtos agrícolas, desenvolvimento de infra-estruturas rodoviárias e, no sector terciário, apostando no desenvolvimento do sector de serviços com especial destaque na promoção do turismo, entre outros. De salientar ainda que os sectores da saúde e educação também foram contemplados nesta parte do livro, com propostas de soluções que irão permitir melhorar a qualidade dos serviços oferecidos nos hospitais e, finalmente, na área-chave e motor do desenvolvimento de qualquer país, que é a capacitação dos guineenses através de um sistema educativo de qualidade.

Tendo em conta a atmosfera sócio-política que se vive hoje no seu país, encontra-se algum terreno fértil para o desenvolvimento económico e sustentável?

Este livro além de trazer à luz elementos sobre o desempenho económico do passado e período mais recente, trás propostas para uma refundação e relançamento da economia da Guiné-Bissau, o que naturalmente implica, melhor, apela ao envolvimento da classe política na sua apropriação e implementação. E, este livro, apesar de o considerar modesto, é um contributo que não visa ninguém em particular, mas sim, o sistema político e a forma como os actores políticos tem actuado na implementação das políticas económicas, apelando, por isso, na nota final, um maior envolvimento de todos os cidadãos guineenses, residentes no país e na diasporá, na vida política do país, por forma a contribuírem para se reunirem os consensos necessários para a elaboração de novas estratégias de desenvolvimento e/ou implementação das estratégias de desenvolvimento existentes. Creio que só assim é que os objectivos de desenvolvimento sustentável poderão ser atingidos, necessitando para o efeito que as mulheres, homens e jovens guineenses, elejam os líderes políticos capazes de agir seriamente no interesse exclusivo do país.

O que tem para se alcançar o desenvolvimento do país?

De facto, uma leitura atenta dos dados expostos neste livro, permite concluir que o obstáculo principal que explica os vários fracassos na implementação das estratégias de desenvolvimento do país, reside unicamente na direcção política que o país conheceu desde a sua independência. Por isso, a chave que permitirá resolver os problemas do país, reside na escolha dos dirigentes capazes de trabalhar no interesse dos cidadãos guineenses que, com toda a legitimidade, aspiram ansiosamente por melhores condições de vida.

Como avalia o seu desempenho durante as suas passagens pelo Ministério das Finanças e a herança que deixou? De 0 a 10, que nota se atribuiria?

Peço que me compreendam, pois, por razões de ética, não devo ser eu a autoavaliar o meu desempenho à testa do Ministério das Finanças que durou de Março de 2020 a Julho de 2022. Contudo, deixo aqui algumas realizações que foram marcantes para a vida do país: logo após a tomada de posse do Governo, deparamo-nos com a necessidade de mobilizar recursos para fazer face a pandemia do Covid-19. Nesse período, em que houve confinamento durante vários meses, o Ministério das Finanças para além de suportar a compra de medicamentos e materiais necessários ao combate da doença, assegurou o pagamento regular dos técnicos de saúde envolvidos no combate, bem como os salários dos funcionários públicos. Igualmente, como o país não tinha programa com o FMI desde 2018, conseguimos restabelecer os contactos e mais tarde negociações que permitiram estabelecer um programa que está em curso de execução. Outro facto marcante foi a reforma fiscal que conseguimos implementar durante a minha passagem no Ministério da Finanças. Com muita determinação, conseguimos fazer aprovar a introdução de novos impostos, onde se destaca o imposto de democracia, que tem contribuído para consolidar o processo democrático, pois o país passou a dispor de meios próprios para organizar as eleições, bem como todos os actos conexos. Outrossim, devido ao empenho no cumprimento das obrigações com os parceiros multilaterais, conseguimos financiamentos juntos de bancos de desenvolvimento que vão permitir lançar, em breve, obras de construção de infra-estruturas rodoviárias importantes. Poderia estar a enumerar mais realizações, nomeadamente a resolução do problema de fornecimento da energia eléctrica, construções e reabilitações dos hospitais central e de infectocontagiosas, mas paro aqui para não ser muito exaustivo.

O valor resultante da venda destes livros têm se revertido a favor de alguma causa social?

Tais como as edições anteriores dos meus livros, a impressão foi totalmente autofinanciada, mas é claro, com o apoio de certas individualidades privadas. Por isso, as vendas dos livros continuam a não ter fins comerciais. Contudo, é nossa intenção aplicar parte do produto das vendas deste livro para subsidiar o preço de livros a serem vendidos nas universidades, permitindo aos estudantes aceder ao livro a um preço simbólico.

Depois da apresentação na Guiné, qual será o próximo destino para apresentação do livro?

Um dos co-actores, o Mamadu Mudjataba Baldé, que foi estudante de pós-graduação no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, já foi abordado informalmente sobre a possibilidade de se fazer o lançamento nessa universidade. Mas, creio que será salutar se conseguir mais uma vez o apoio da UCCLA [União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa] para fazer o lançamento em Lisboa, pois há muitos cidadãos guineenses que vivem em Portugal e esta obra poderá interessar-lhes. A ver vamos!

Um homem da economia

João Alage Mamadú Fadiá, nasceu na Guiné Bissau, mais propriamente na primeira capital, Bolama, em 1957.  Fez os estudos   superiores de contabilidade  bancária no Instituto  Superior de Contabilidade  e administração de Lisboa, em 1996. De Junho de 2008 a Dezembro de 2016, exerceu o cargo de director do Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO). Entre 2004e 2005 desempenhou a função de Ministro   de Economia e Finanças no governo liderado por Carlos Gomes Junior, sendo nomeando para a mesma função no Executivo de Umaro Sissoco Embaló e de Nuno gomes Nabian, até 2022.  Desde julho de 2022 é auditor geral das Instituições da CEDEAO.

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