Opinião

Conflito pós-eleitoral em Moçambique: o drama social e económico

Dércio Alfazema

Dércio Alfazema
Os conflitos pós-eleitorais em Moçambique são cíclicos. Mesmo depois de assinatura de acordos, na eleição seguinte o país não tem sido capaz de evitar situações de violência em várias fases do processo trazendo implicações políticas, sociais e económicas bastante profundas. A problemática eleitoral em Moçambique refletem uma crise estrutural nas relações políticas do país, independente…

Os conflitos pós-eleitorais em Moçambique são cíclicos. Mesmo depois de assinatura de acordos, na eleição seguinte o país não tem sido capaz de evitar situações de violência em várias fases do processo trazendo implicações políticas, sociais e económicas bastante profundas.

A problemática eleitoral em Moçambique refletem uma crise estrutural nas relações políticas do país, independente dos órgãos que dirigem os processos e/ou dos partidos que concorrem. As reformas e o aprimoramento do quadro jurídico não têm sido suficiente para trazer confiança entre os diferentes atores envolvidos e para quebrar esse ciclo vicioso de contestação dos resultados e muitas vezes de forma violenta.

As VIIas Eleições Gerais e IVas Eleições Provinciais decorreram no dia 9 de Outubro de 2024, num contexto de grandes fraturas internas nos principais partidos políticos concorrentes, o que de per si já era um indício que as mesmas seriam difíceis. A FRELIMO teve um processo de eleição de candidato que durou 3 dias no lugar de meio-dia como estava programado. A RENAMO foi arrastada para um congresso por acordo ou decisão judicial. O MDM teve um processo de escolha de candidato mais prático. Enquanto isso, Venâncio Mondlane fazia a sua peregrinação às eleições presidências: primeiro quis concorrer com apoio da RENAMO, sem sucesso, tendo de seguida tentado com a Coligação Aliança Democrática (CAD) e por fim concorreu com apoio do partido PODEMOS, com quem estabeleceu um acordo pontual.

Facto é que apesar de a campanha eleitoral ter decorrido num ambiente de poucos incidentes graves e do dia da votação ter merecido inicialmente elogios dos observadores, por se tratar de eleições da qual iria emergir um novo Presidente da República tornava o ambiente tenso.

A contestação dos resultados das Eleições Presidenciais, são as que estão a gerar a onda de violência que de longe superam qualquer outra situação vivida, desde a introdução da democracia multipartidária em Moçambique.

Se nas eleições anteriores as contestações eram de índole militar, envolvendo sempre o partido RENAMO, neste momento, a violência é caracterizada pela desobediência civil, onde mais de uma centena de pessoas perderam a vida e centenas ficaram feridas. A situação tem estado a gerar destruição de infra-estruturas públicas e privadas. Ambulâncias, viaturas da Polícia e de outras instituições públicas e privadas foram incendiadas. Algumas sedes do partido FRELIMO e postos policiais também foram incendiados. Os manifestantes têm colocado barricadas na via pública para impedir a circulação de pessoas e bens. Doentes e pessoal da saúde (médicos e enfermeiros) não tem conseguido se deslocar para as unidades sanitárias.

A Confederação das Associações Económicas (CTA) tem registo de pelo menos 500 empresas vandalizadas, entre elas indústrias, instituições bancarias, estabelecimentos comerciais e armazéns que foram saqueados e queimados, levando ao desemprego pelo menos 12 mil pessoas. O tecido industrial, sobretudo do ramo alimentar esta parcialmente comprometido, o que pode afetar a disponibilidade de produtos alimentares processados internamente.

As medidas de paralisação e sabotagem também foram especificas as fronteiras e portos, tendo criado embaraços para alguns países que exportam e importam a partir de portos de Moçambique, alastrando o impacto da crise para África do Sul, Zimbabwe, Malawi e Zâmbia.

Os importadores de produtos alimentares da África do Sul também assinalam perdas significativas. Hortícolas e frutas se deterioraram na fronteira, onde camiões permanecem dias a espera de tréguas para poderem chegar à capital e depois serem repassados para todo o país. Camiões de carga que transportam minérios da África do Sul para o Porto de Maputo também entraram na incerteza, sendo que alguns foram incendiados, obrigando que o seu transporte passasse a ser feito com escolta policial.

Outra nota importante, tem a ver com o sector de turismo que tem a sua época alta exatamente na quadra festiva. Os operadores do sector de turismo viram as reservas em grande parte canceladas deixando o sector fragilizado.

Estas acções de sabotagem foram resultado de convocações feitas pelo candidato ao cargo de Presidente da República, Venâncio Mondlane, que um dia depois da votação, contra tudo e todos, fez uma declaração de vitória com base uma contagem paralela de 10 porcento. Foi o suficiente para precipitar uma crise eleitoral sem paralelo. Os órgãos de gestão eleitoral ainda não haviam terminado de fazer o apuramento parcial, mas já havia um autoproclamado vencedor.

A declaração de vitória foi um acto premeditado, com vista a gerar contestação em relação a qualquer outro resultado que fosse proclamado pelos órgãos eleitorais.

Em cada fase da manifestação o país tem vivido uma situação mais dramática, sendo que o próprio candidato que as convoca se mostra assustado e surpreso com os danos causados.

Estas manifestações violentas e que decorrem propositadamente sem o mínimo de organização, têm exposto algumas fragilidades em termos de capacidade técnica e de meios apropriados por parte da polícia para garantir segurança pública. Também tem sido notório algum despreparo para lidar com motins. A polícia e militares não tem sido capaz de garantir a protecção de pessoas e dos bens, mas tem de certa forma evitado um drama ainda maior.

Moçambique é um país com um défice orçamental crónico, onde as receitas colectadas não são suficientes para cobrir a despesa pública. O Orçamento Geral do Estado (OGE) depende significativamente de doações e empréstimos internacionais para financiar sectores essenciais. O orçamento Geral do Estado de 2024 foi aprovado com um défice de 100 mil milhões de meticais (1.400 milhões de euros), um valor que evidencia a precariedade das finanças públicas. Neste sentido, torna-se pouco compreensível que em disputa eleitorais sectores económicos se tornem principais alvos.

Durante a campanha eleitoral os candidatos foram unanimes em propor a industrialização do país como forma de gerar renda, emprego e reduzir a dependência alimentar. Depois das eleições as indústrias que existem estão a ser saqueadas e vandalizadas. Mais do que isso, a mensagem que se está a passar para investidores, pode gerar algum receio em canalizar os seus investimentos para um país politicamente instável.

Investimentos para projectos estruturantes como o de exploração de gás natural em Afungi, no distrito de Palma, considerado o maior investimento privado em África (avaliado em cerca de 18 mil milhões de euros) tem o seu arranque condicionado exactamente por questões ligadas a segurança.

A adesão e intensidade com que decorrem as manifestações incorporam para lá da dimensão político-eleitoral. Resultam também da contestação popular face ao contexto social e económico que caracteriza o contexto global da crise económica, que tem reduzido a capacidade dos governos de economias mais frágeis de responder, prontamente, aos desafios da população jovem que esmera por respostas mais rápidas face ao crescente desemprego, falta de habitação, alto custo de vida e a desafios ligados aos serviços essenciais como educação, saúde, água e saneamento, energia. Outras questões mais transversais têm a ver com crime organizado e transnacional, como é o caso de raptos, corrupção, trafico de drogas e o terrorismo que tem sido presente em Moçambique. São desafios que devem constituir prioridade para o Governo eleito que vai assumir o país politicamente fraturado e com níveis de intolerância bastante elevados.

Tudo o que Moçambique precisa neste momento é de encontrar o caminho da estabilidade, sem grandes condicionalismos. A economia poderá não resistir a mais pressão.

Fica evidente a necessidade de abertura de linhas de diálogo permanente e a necessidade de se introduzirem reformas que tornem as instituições e o sistema de governação mais credível. Os processos políticos eleitorais devem ser mais transparentes de modo que não seja fonte de conflitos cíclicos. É preciso que se aprovem políticas públicas mais abrangentes e que tenham impacto na vida da população.

Depois da crise, o governo vai precisar, urgentemente, de adotar medidas de aceleração económica considerando abertura de linhas de crédito, incentivos fiscais para permitir a recapitalização do sector privado. O sector informal, que tem um grande impacto na economia e é uma importante fonte de geração de rendas, também esta a ser duramente afetado pela crise política. É preciso refletir em mecanismos que visam apoiar o sector a voltar e a continuar a ser uma alternativa viável para renda das famílias.

Depois de 30 anos a realizar eleições, Moçambique precisa criar mais confiança nas instituições e definir um quadro legal que contribua para que as eleições sejam uma fonte de paz e estabilidade e não de conflito. A tensão eleitoral que se regista, também remete a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre os critérios para a candidatura ao cargo de Presidente da República. Apesar da base constitucional remeter a dimensão da inclusão, a questão do equilíbrio emocional e psicológico também podem ajudar a reduzir o risco de ocorrência de conflitos cíclicos.

A resolução dos conflitos pós-eleitorais e a promoção da estabilidade política exigem um esforço conjunto de todos os actores envolvidos. O país precisa urgentemente de um diálogo aberto e de reformas que visem não apenas a recuperação económica, mas também a promoção de uma cultura democrática que garanta a paz e a harmonia social. A construção de um futuro mais estável depende da capacidade de os líderes e cidadãos trabalharem juntos para superar as divisões e construir um Moçambique mais forte e unido.

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