Opinião

A comunicação como arma geopolítica em África

Mário Pinto

No tabuleiro complexo da geopolítica contemporânea, a comunicação deixou de ser apenas um instrumento de informação para transformar-se numa verdadeira arma de poder. Em África, onde as disputas por influência externa, recursos naturais e legitimidade política são intensas, a comunicação tornou-se um campo de batalha estratégica.

O modo como se comunica, o que se comunica e a quem se comunica tem implicações que ultrapassam o domínio simbólico, afectando directamente as relações de poder, a soberania e o futuro do continente. Historicamente, o continente africano foi alvo de narrativas externas que moldaram e continuam a moldar a sua imagem perante o mundo.

O colonialismo não se exerceu apenas por meio da força militar ou da exploração económica, mas também pela imposição de discursos que inferiorizavam culturas locais e justificavam a dominação. Essa herança persiste, como observa Ngũgĩ wa Thiong’o (1986), “o controlo da cultura é parte essencial do controlo do povo”. Em pleno século XXI, a batalha não se trava apenas com armas físicas, mas com discursos mediáticos que definem a forma como África é percebida globalmente. Os actores internacionais, sejam eles potências ocidentais, emergentes como a China, ou mesmo organizações multilaterais utilizam a comunicação como ferramenta de influência geopolítica.

A disputa pela narrativa em torno de temas como democracia, direitos humanos, exploração de recursos ou integração regional mostra como a comunicação se converte em instrumento de poder. Campanhas de diplomacia pública, redes mediáticas transnacionais e até a difusão de fake news constituem armas que podem legitimar governos, desestabilizar regimes ou reconfigurar alianças estratégicas.

“Quem controla a palavra controla a percepção, e quem controla a percepção influencia a acção política e económica.”

Mas a comunicação geopolítica não é apenas externa. Governos africanos também aprenderam a instrumentalizar a comunicação para reforçar legitimidades internas e disputar protagonismo regional.

Em muitos casos, o controlo dos meios de comunicação e das redes sociais é utilizado como mecanismo de gestão do poder, silenciando dissidências e promovendo agendas políticas específicas. Este uso estratégico da comunicação revela como, no campo africano, o discurso se converte em arma tanto de defesa quanto de ataque. Por outro lado, a ausência de uma estratégia comunicacional robusta e unificada coloca África em desvantagem.

A fragmentação linguística, a dependência de plataformas digitais controladas por grandes corporações estrangeiras e a escassa integração mediática continental limitam a capacidade africana de construir uma voz própria. Como destaca Achille Mbembe (2000), a soberania africana continua vulnerável a mecanismos subtis de dominação global, entre os quais a manipulação simbólica e comunicacional. No entanto, a comunicação também pode ser arma de emancipação. A emergência de canais africanos de informação, o crescimento das redes digitais locais e o fortalecimento de plataformas como a União Africana oferecem oportunidades para construir narrativas próprias, que afirmem a dignidade e a pluralidade dos povos africanos.

O desafio reside em compreender que a comunicação não é neutra: é um espaço de disputa de poder que exige consciência crítica e capacidade estratégica. Portanto, falar da comunicação como arma geopolítica em África é reconhecer que a luta pelo futuro do continente passa pela disputa das narrativas. Quem controla a palavra controla a percepção, e quem controla a percepção influencia a acção política e económica. Para África, a batalha da comunicação é, em última instância, uma batalha pela soberania.

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