Opinião

A COP 30 sob o olhar de um Amazônida

Kristófferson Andrade

A COP 30, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), é o principal fórum internacional dedicado a negociar medidas globais para enfrentar a crise climática, monitorar o cumprimento do Acordo de Paris, fortalecer financiamento para países vulneráveis, incentivar a descarbonização das economias e ampliar a capacidade de adaptação das populações mais afectadas.

Participam mais de 190 países — chefes de Estado, diplomatas, ministros do meio ambiente, técnicos, negociadores climáticos — além de organizações da sociedade civil, movimentos indígenas, cientistas, empresas, organismos multilaterais e blocos regionais como o G77 + China, a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) e o Grupo Africano.

Esses actores discutem desde metas de redução de emissões até formas de financiamento climático, mecanismos de perdas e danos, políticas de transição energética e protecção de ecossistemas essenciais. Países parceiros como Noruega, Alemanha, França, Indonésia, Países Baixos e Portugal já sinalizaram apoio financeiro a iniciativas vinculadas à preservação das florestas tropicais, demonstrando que o combate às mudanças climáticas é, antes de tudo, um esforço compartilhado.

Para sediar a COP 30, foi escolhida a cidade de Belém do Pará, a “Cidade das Mangueiras”, o “Portal da Amazónia”, localizada à beira da Baía do Guajará. Quatrocentona, fundada em 12 de janeiro de 1616 por Francisco Caldeira Castelo Branco, Belém nasceu como fortificação para proteger a presença portuguesa na região. Hoje, abriga cerca de 1,5 milhão de habitantes e sua Região Metropolitana (Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará e Castanhal),  passa de 2,5 milhões de pessoas, reunindo história, cultura, gastronomia e uma identidade marcada pela relação íntima com a floresta e com as águas.

Tomar um açaí com peixe frito e farinha “baguda” no cartão postal da cidade, o mercado do Ver-o-Peso, ouvir um brega marcante, provar um sorvete de bacuri ou cupuaçu e encerrar a tarde com um tacacá quente é viver o cotidiano do paraense — algo que fascina qualquer visitante.

Mas Belém também enfrenta desafios estruturais, como o déficit histórico de saneamento básico, fruto de décadas de políticas públicas insatisfatórias e de uma concentração de investimentos no eixo sul-sudeste do país. Quando a cidade foi anunciada como sede da COP, episódios de xenofobia emergiram, ignorando que a Amazónia não é periferia do Brasil, mas centro estratégico do planeta. O amazónida sentiu-se atingido, pois sabe do valor de sua terra e da legitimidade de discutir o futuro climático do mundo exatamente onde a floresta respira.

E aqui surge o ponto central: como discutir mudança climática em uma cidade distante da Amazónia? Faria sentido realizar a COP em São Paulo ou no Rio de Janeiro — importantes, mas transformadas em selvas de pedra — ignorando o território que mais influencia o clima global? Não seria mais coerente realizá-la onde a floresta é vista, tocada, sentida e ouvida?

Ser amazónida é carregar essa relação viva com a floresta, com os rios, com as chuvas e com as culturas ancestrais. A Floresta Amazónica é a maior floresta tropical do planeta; o Bioma Amazónia abrange ecossistemas, rios, solos, fauna e flora; e a Amazónia Internacional engloba nove países (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa). Ser amazônida é pertencer a esse conjunto múltiplo, diverso e transnacional, que envolve indígenas, ribeirinhos, caboclos, quilombolas e populações urbanas conectadas pela mesma força: a floresta.

“Falar de floresta exige estar na floresta. Não há justiça climática nem acção climática legítima que ignore as vozes dos amazônidas.”

Sentir a chuva amazónica — tão típica nas tardes de Belém — tem simbolismo especial num período em que estudos científicos projectam risco de savanização da Amazônia até 2050, caso o desmatamento e o aquecimento global avancem. Aproximar-se de uma samaumeira com seus 70 metros de altura e 3 metros de diâmetro é confrontar-se com a própria pequenez humana diante da grandeza natural. Comer o açaí preparado por mãos ribeirinhas é vivenciar o alimento e a cultura de um povo cuja subsistência depende directamente da floresta.

A COP na Amazónia expressa essa compreensão: somos um território de riqueza imensurável, mas também de profundas desigualdades sociais. A floresta precisa permanecer em pé, mas é preciso reconhecer o esforço histórico dos amazônidas, que preservam um património que beneficia o mundo, muitas vezes em detrimento de oportunidades económicas. Não é justo que quem menos contribuiu para o aquecimento global seja quem mais sofra seus impactos. Os trabalhadores de aplicativo já enfrentam calor extremo; indígenas e ribeirinhos sofrem com estiagens e perda de 40% das chuvas; moradores de periferias urbanas convivem com enchentes, ausência de saneamento e insegurança alimentar. A justiça climática exige justiça territorial.

A COP 30 deu a Belém visibilidade nacional e internacional raramente vista. Obras foram realizadas, hotéis reformados, restaurantes inaugurados, vias ampliadas, o aeroporto modernizado. É um legado que remete à antiga Belle Époque dos tempos da borracha. Mas o maior legado é imaterial: o debate global sobre transição energética, metas climáticas, financiamento, compensações socioambientais, protecção da biodiversidade e políticas públicas voltadas para populações vulneráveis.

A expectativa internacional é que a COP 30 fortaleça mecanismos como o Fundo de Perdas e Danos, avance no financiamento climático para países em desenvolvimento, amplie compromissos de descarbonização e impulsione acordos multilaterais para preservar florestas tropicais.

Nesse contexto, o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, proposto pelo Brasil, busca reunir 10 bilhões USD até 2026 para apoiar países em desenvolvimento na preservação e recuperação de florestas tropicais. Compromissos foram sinalizados por Brasil, Noruega, Alemanha, França, Indonésia, Países Baixos e Portugal, mostrando que a conservação da Amazónia é uma responsabilidade compartilhada entre Norte e Sul globais.

A COP 30, sob o olhar de um amazônida, não é apenas um evento: é um chamado. Um chamado para ouvir quem vive na floresta, para reconhecer o valor desse território e para assumir globalmente que não existe humanidade sustentável sem Amazônia viva, sem respeito aos povos que aqui habitam e sem que o mundo repense seus modelos de produção, consumo e responsabilidade climática.

Que a COP 30, realizada no coração da Amazónia, ecoe para o mundo a mensagem de que ainda é possível salvar o planeta.

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