Opinião

Entre o corporativo e a comunidade: Sustentabilidade como ponte, uma reflexão a partir do método de Rossana Dias

Rossana Dias

Há uma palavra que se repetiu tanto nos últimos anos que corre o risco de perder densidade: sustentabilidade. Muita gente a usa como sinónimo de boas intenções. Outros reduzem-na a carbono, reciclagem e árvores no relatório anual. Mas sustentabilidade, no sentido inteiro da palavra, é mais exigente. É um modo de decidir. Uma ética de continuidade. Uma forma de construir futuro sem consumir o presente.

E talvez o desafio mais interessante do nosso tempo seja este: a sustentabilidade deixou de caber num departamento. Ela acontece, ou falha, no cruzamento entre instituições e pessoas, entre estratégia e realidade social, entre o que o mercado pede e o que a comunidade precisa. É aí que nasce a ideia de ponte. E é também aí que o trabalho de Rossana Dias se torna pedagógico.

Gestora do ecossistema bold da Academia BAI, Rossana opera exactamente nesse lugar de intersecção. A sua trajectória, sempre ligada a causas, formação, redes de mulheres e projectos de impacto, mostra algo que vale mais do que um caso individual. Mostra um método. E um método, quando é bom, ensina-nos a ler o mundo.

  1. Sustentabilidade não é gesto, é sistema

Uma das confusões mais comuns em contexto corporativo é achar que sustentabilidade é fazer algo bom ao lado do negócio. Uma acção social ocasional, uma campanha de doação, um evento anual. Isso pode ser generoso, mas não é necessariamente sustentável. Sustentabilidade exige três coisas que a boa vontade sozinha não garante:

Primeiro, leitura real do problema. Não aquilo que parece importante de fora, mas aquilo que dói dentro da comunidade.

Segundo, arquitectura de solução. Planeamento, processo, orçamento, actores definidos, metas claras.

Terceiro, continuidade. O efeito não pode depender apenas do entusiasmo do momento. Tem de ficar de pé quando o aplauso passa.

O método de Rossana tem sido precisamente esse. A sua experiência ensinou-lhe que o bem querer, sem estrutura, racha. E que a estrutura, sem humanidade, esvazia. Sustentabilidade começa quando estas duas dimensões deixam de ser rivais e passam a ser parte do mesmo desenho.

  1. Os ODS como bússola, não como etiqueta

Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são frequentemente tratados como um inventário de temas bonitos para anexar a projectos já prontos. Mas quando são usados com seriedade, funcionam como bússola. Não decoram o trabalho. Orientam-no.

O percurso de Rossana deixa isso claro, porque a sua actuação não encaixa nos ODS depois. Ela nasce em alinhamento com eles.

ODS 17, Parcerias, aparece como eixo central do ecossistema bold. A bold não é uma comunidade criada para viver de eventos. É uma plataforma que articula sector privado, trajectos formativos, mentoria, bolsas, causas sociais e redes de influência para gerar impacto com legitimidade e escala.

Há aqui um aspecto particularmente didáctico. A bold escolhe uma causa real por ano e alinha-se a projectos já existentes no terreno. Isto evita duplicação, reduz dispersão, e dá profundidade ao impacto. É ODS 17 no seu sentido mais rigoroso. Parceria como infra-estrutura, não como fotografia.

ODS 5, Igualdade de Género, não aparece como slogan de empoderamento, mas como caminho. Bolsas, mentoria, formação executiva, redes de suporte e visibilidade pública não são adereços. São meios estruturais de equidade.

ODS 4, Educação de Qualidade, surge na forma como a aprendizagem é entendida como motor de mobilidade social. Não uma formação para acumular certificados, mas percursos para ampliar liberdade, liderança e pertença.

Este uso orgânico dos ODS ensina algo simples. Sustentabilidade não é uma lista de coisas. É uma lógica de interdependência.

  1. SOS Mulher Real e o centro do social

Uma abordagem séria de sustentabilidade não começa no ambiente. Começa no humano. E, muitas vezes, começa exactamente onde o humano está mais vulnerável.

O SOS Mulher Real, dentro do percurso de Rossana, é exemplo disso. Não é apenas um projecto de cuidado. É uma afirmação estratégica de que a vida das mulheres é um indicador de saúde social. Quando uma mulher não tem segurança, rede, dignidade ou acesso a suporte, não há desenvolvimento sustentável possível. Há sobrevivência precária.

O SOS Mulher Real prioriza o invisível. Lida com vulnerabilidades que raramente aparecem nos relatórios, mas que determinam o futuro real de uma sociedade. E faz isso através de uma lógica sustentável. Actua em rede. Encaminha, articula actores, cria tecido comunitário, reforça a capacidade de resposta local. O impacto não é um momento. É um sistema de suporte.

Isto liga-se a ODS 5, porque trabalha dignidade e protecção. Liga-se a ODS 3, porque assume saúde como bem estar integral. E depende de ODS 17, porque nenhuma intervenção desta natureza dura sem alianças consistentes com instituições, profissionais e redes de confiança.

A lição é clara. Sustentabilidade social é tão estruturante quanto sustentabilidade ambiental. Negligenciar uma é fragilizar a outra.

  1. O valor da intersecção

Quando uma pessoa, ou uma instituição, habita apenas um dos mundos, perde metade da equação.

Se habita só o corporativo, corre o risco de criar programas impecáveis em Excel mas inúteis no terreno.

Se habita só a comunidade, corre o risco de criar mobilizações potentes mas frágeis no tempo.

O lugar entre os dois mundos é um lugar duro. Exige tradução constante. Exige humildade para escutar. Exige rigor para organizar. Exige maturidade para não romantizar nem o mercado nem a causa. É exactamente aí que se joga a sustentabilidade do futuro.

O trabalho de Rossana é pedagógico porque mostra como esse lugar pode ser habitado com inteiro sentido. Não como uma dupla identidade, mas como uma única lógica de impacto.

  1. Malembe, malembe e o ritmo da continuidade

Vivemos numa era que celebra velocidade. E isso cria um paradoxo. Queremos sustentabilidade, mas construímo-la com pressa. Queremos continuidade, mas exigimos resultados imediatos. Queremos impacto profundo, mas medimos tudo em ciclos curtos.

A frase que Rossana repete como ética de liderança, malembe, malembe, devagar, mas com alma, tem uma função prática. Ela lembra que sustentabilidade exige ritmo. Respeito pelos ciclos. Capacidade de parar para não desaparecer. Consciência de que há processos que não se comprimem sem perder sentido.

A sustentabilidade é, em larga medida, uma disciplina do tempo. Não só do recurso. Quem consegue gerir o tempo humano, os ciclos institucionais, o amadurecimento comunitário, está a gerir sustentabilidade.

Conclusão

Se há uma ideia que vale levar desta reflexão é esta. Sustentabilidade não é um tema a acrescentar ao que já fazemos. É um modo de fazer tudo o resto.

Ela pede sistema onde antes havia gesto. Pede parceria onde antes havia protagonismo. Pede equidade onde antes havia acesso desigual. Pede educação como motor, não como adorno. Pede cuidado como estrutura social, não como caridade.

Entre o corporativo e a comunidade, perfis como o de Rossana Dias lembram-nos que sustentabilidade real nasce quando estratégia e vida concreta deixam de ser mundos separados. Quando ser eficaz não implica deixar de ser humano. E quando o futuro não é promessa, mas compromisso.

No fim, a sustentabilidade é isto. Uma ponte que não serve para atravessar de vez. Serve para manter ligação permanente. E cada geração se mede pelo modo como a constrói.

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