Opinião

Fim do Aviso n.º 3/21 e a Nova Norma n.º 8/25 da ARSEG: implicações no combate ao branqueamento de capitais em Angola

Nádia Feijó

A Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG) actualizou de forma profunda o enquadramento regulatório do sector com a publicação da Norma Regulamentar n.º 8/25, de 20 de Agosto de 2025. Mais do que substituir o Aviso n.º 3/21, este diploma assinala uma reformulação estratégica das obrigações de Compliance na prevenção e combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e Proliferação de Armas de Destruição em Massa, alinhando Angola às melhores práticas internacionais após a entrada em vigor da Lei n.º 11/24.

Uma das mudanças estruturantes reside no alargamento do âmbito de aplicação. A nova norma abrange expressamente empresas de micro-seguros, mediadores e corretores, garantindo que todos os intervenientes do mercado segurador passam a estar sujeitos ao mesmo nível de escrutínio. Reforça igualmente o formalismo da gestão de risco ao impor que a auto-avaliação seja submetida obrigatoriamente à ARSEG até 31 de Março do ano seguinte, permitindo ao regulador uma monitorização mais tempestiva.

O capítulo da Identificação e Diligência Devida é aquele onde a mudança se revela mais significativa. O conceito de Beneficiário Efectivo é significativamente reforçado, focando-se na pessoa singular que, em última instância, detém o controlo efectivo, mesmo através de cadeias de participação complexas. Para tal, há maior exigência documental, passando a requerer, além dos elementos de identificação básicos, documentos probatórios como a cópia do acordo fiduciário ou de parceria e as actas da Assembleia-Geral que atestem a constituição e a estrutura societária.

Para instituições financeiras, o limiar de identificação de participações relevantes desce de 20% para 10%, uma medida que reforça o controlo sobre entidades com maior exposição ao risco.

A norma expande igualmente o universo das Pessoas Politicamente Expostas (PPE), abrangendo administrações directa, autónoma e independente do Estado, garantindo que as medidas de diligência reforçada cobrem uma fatia mais ampla das funções públicas relevantes.

Neste contexto de Diligência Devida, o ordenamento jurídico angolano, sobretudo após a publicação da Lei n.º 11/24, e a sua operacionalização pela Norma Regulamentar n.º 8/25 da ARSEG, distingue-se no panorama lusófono ao introduzir expressamente a obrigatoriedade de declaração de todas as nacionalidades detidas pelo cliente. Esta exigência reforça drasticamente a abrangência da identificação e a qualidade da análise de risco, indo além do que é praticado noutras jurisdições da CPLP.

A análise comparativa com países como São Tomé e Príncipe (Lei n.º 8/2013) e Moçambique (Lei n.º 14/2023) demonstra que as suas legislações, embora consagradoras da obrigação de identificação do cliente, tendem a não especificar a recolha de todas as nacionalidades como um dado obrigatório no processo de KYC. O avanço angolano, ao exigir informações mais detalhadas para uma avaliação de risco mais precisa, posicionará o seu sistema financeiro e segurador de forma mais robusta perante avaliações mútuas internacionais.

É fundamental sublinhar que a nova regulação angolana se alinha com a Norma Regulamentar n.º 10/2024-R da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões de Portugal (ASF). Ao exigir que a entidade sujeita procure e registe todas as nacionalidades do cliente, a regulação angolana adopta uma abordagem de risco baseada na substância, reconhecendo que a plurinacionalidade é um factor de risco que requer especial atenção e que não pode ser omitido pela simples apresentação de um documento único.

Paralelamente ao reforço legal, há uma clara dependência da tecnologia. Um elemento fundamental, presente tanto no Aviso n.º 3/21 quanto na Norma Regulamentar n.º 8/25, é a obrigatoriedade de utilização de sistemas de informação adequados. Ambas as normas reconhecem que a complexidade da legislação e o volume de dados a processar tornam a gestão do Compliance manual inviável. Neste contexto, soluções como o KeepComply, que automatizam perfis de risco, diligência devida, AML, gestão de reclamações e detecção de padrões anómalos, tornam-se instrumentos essenciais para garantir eficiência e conformidade contínua.

Uma evolução notável prende-se ainda com o risco transfronteiriço no sector. Enquanto o Aviso n.º 3/21 se socorria do artigo genérico de “relação de correspondência” ( termo mais conotado com o sector bancário), a nova Norma Regulamentar n.º 8/25 introduz um artigo dedicado às Relações com Resseguradoras. Esta especificidade exige que as entidades cedentes de risco definam procedimentos de diligência reforçada para a cedência de resseguro transfronteiriça, o que implica a verificação do risco do país e da qualidade da supervisão a que a Resseguradora está sujeita.

Apesar de todas estas melhorias de índole técnica e legal, o papel central do “Compliance Officer” merece uma observação crítica no contexto do amadurecimento corporativo. A Norma Regulamentar define-o como o responsável pela implementação, coordenação e monitorização do sistema de prevenção de branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, bem como pela centralização da informação e comunicação de operações susceptíveis à Unidade de Informação Financeira e a outras autoridades.

O foco desta definição, embora legalmente correcto no contexto da lei que regulamenta, restringe de forma significativa a actuação do profissional de Compliance ao domínio exclusivo do BC/FT/PADM. No entanto, na perspectiva da boa governação corporativa, os assuntos da conformidade e da prevenção ao branqueamento de capitais têm, subjacentes, as questões éticas e comportamentais mais abrangentes.

A integridade do sistema de controlo depende fundamentalmente da cultura ética da instituição. É imperioso que o regulador e as próprias Entidades Sujeitas observem a importância de garantir uma maior abrangência à função do Compliance Officer nas instituições, pois uma actuação cingida ao BC/FT pode comprometer o desenvolvimento de uma cultura de Compliance mais robusta. Esta cultura deve necessariamente incluir a observância de códigos de ética e de conduta, e considerar a implementação de normas de gestão de Compliance (como as normas ISO), essenciais para o amadurecimento da conformidade no sector segurador e financeiro.

Em síntese, a Norma Regulamentar n.º 8/25 não é apenas uma sucessora do Aviso n.º 3/21, mas sim o expoente de uma evolução qualitativa no Compliance angolano, exigindo das instituições um investimento contínuo em processos e tecnologia, ao mesmo tempo que levanta o debate sobre a necessidade de alargar o conceito de Compliance para além dos limites estritos do combate ao BC/FT/PADM.

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