Opinião

Investimento sustentável precisa-se para a África que queremos

Inês Vieira

Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) conseguiu mobilizar o mundo a assumir o compromisso de atingir 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. A década em que vivemos é vista como a década de acção, já que o progresso, até agora, tem sido globalmente lento e estagnado, especialmente nos últimos dois anos, devido sobretudo à pandemia da COVID-19 e à guerra na Ucrânia, que reforçam a crise dos recursos e o aumento dos preços, entre outros desafios, colocando em causa o cumprimento dos ODS. 

Perante este cenário, África viu a sua situação já vulnerável ser agravada, levando à pior recessão económica em meio século, com o PIB a cair 3% em 2020, originado pelo rápido aumento da dívida, a desaceleração do crescimento e a redução drástica dos meios de subsistência. A acrescentar, África está sob a mira dos impactos do aquecimento global, o que coloca pressão adicional no acesso aos recursos, resultando num círculo vicioso de conflitos, agitação e pobreza.

Acelerar a industrialização, diversificar e captar investimento para o desenvolvimento são elementos chave para mudar o rumo do Continente e todos são chamados a contribuir, desde governos, reguladores e supervisores, instituições financeiras, organizações e comunidade. 

A ONU estimou que será necessário preencher o défice de financiamento de 200 mil milhões de dólares americanos, por ano, para cumprir os ODS até 2030. Adicionalmente, e para fazer face aos desafios das alterações climáticas, os líderes africanos propuseram, na COP26, um objectivo de 1,3 biliões de dólares, por ano, até 2030, já que, de acordo com o Green Climate Fund, África recebe apenas 5% do total de fluxos financeiros concedidos globalmente para fazer face a estes desafios. 

O mercado de obrigações sustentáveis é visto pelos decisores políticos, reguladores e emitentes soberanos de África como uma nova oportunidade para colmatar a falta de investimento nos ODS. De facto, a Comissão Económica para África da ONU admite que uma recuperação baseada em investimentos verdes pode gerar até 420% de maximização do valor acrescentado bruto e até 250% melhores retornos na criação de emprego. No entanto, este tipo de instrumentos é ainda residual, apesar do acelerado aumento noutros mercados emergentes, de acordo com a Moody’s. 

Mobilização dos governos em prol da sustentabilidade: exemplo da África lusófona

São Tomé e Príncipe Moçambique Angola Cabo Verde Guiné-Bissau Guiné-Equatorial
Pontuação ODS 2022 59,4 53,6 50,9 S/d S/d S/d
Ranking mundial
(em 163 países)
123º 143º 154º S/d S/d S/d
Planos de Desenvolvimento Sustentável ✔️ n.i. ✔️ ✔️ ✔️ ✔️
Fonte: Sustainable Development Report 2022, Cambridge University.
S/d – sem dados; n.i. – não identificado

Nunca os governos africanos se mobilizaram tanto para incorporar os ODS e a Agenda 2063 – Agenda dedicada ao desenvolvimento de África, em complemento aos ODS – nas suas estratégias nacionais e planos de desenvolvimento, como agora. Destacam-se alguns exemplos da África lusófona:

Angola

O Governo de Angola possui um Plano de Desenvolvimento Nacional para 2018-2022, o segundo desta natureza, em linha com os ODS e a Agenda 2063, entre outras políticas. O Plano é dividido em 6 eixos estratégicos: desenvolvimento humano, económico, infra-estruturas, do território, consolidação da paz e garantia da estabilidade territorial. Seguir-se-á o plano de desenvolvimento para o período de 2023-2027.

Já na agenda do Banco Nacional de Angola (BNA), está o desenvolvimento de regulamentação que prevê que as instituições passem a incorporar na sua estratégia e gestão de riscos a componente ESG, incluindo a alocação de capital para cobertura destes riscos e a divulgação de informação ao mercado sobre a exposição aos mesmos. O BNA reconhece o papel preponderante do sector na mobilização de investimento para actividades que promovem o desenvolvimento sustentável, assim como a sua responsabilidade de o orientar.

Cabo Verde

Cabo Verde está a posicionar-se para ser o Blue Finance Hub de África, com a ambição de ser uma referência para a emissão de títulos azuis, sociais e verdes. O Executivo encontrou uma nova forma de mobilizar fundos para investimentos de impacto alinhada com os ODS – a plataforma Blu-X – em cooperação com a Bolsa de Valores de Cabo Verde, a ONU e outras entidades públicas e privadas. Em 2021, foi lançada a primeira obrigação social a favor de municípios, ultrapassando o montante inicialmente previsto. Cabo Verde está já a planear emitir um novo vínculo agrupado para empresas privadas que realizam obras públicas com um propósito de desenvolvimento social.

Em nota conclusiva, começamos a assistir a uma maior mobilização dos governos para integrar os ODS nas suas agendas. Permanece, no entanto, o desafio da captação e direccionamento de investimento para o desenvolvimento sustentável de África. É uma excelente oportunidade para pôr em prática o ODS 17 – Parceria e Meios de Implementação – e chamar supervisores, instituições financeiras e organizações a contribuir. Para a África que queremos.

Referências:

 

Inês Vieira, Manager EY, Consulting Financial Services

Artigos Relacionados