“Eu era a única mulher, negra e estrangeira, com aquele desafio tremendo”

Eunice de Carvalho
Eunice de Carvalho nasceu em 1973, na província do Huambo, estudou em Angola até ao 12º ano do ensino médio, no curso de Ciências Biológicas no Puniv Central de Luanda. E daqui, contou-nos, rumou para os Estados Unidos, estávamos em 1985, com o sonho de medicina na carteira, que acaba por  preterir pelas suas duas…
ebenhack/AP
É assim que prestamos tributo a Eunice de Carvalho, recordando a sua última entrevista à FORBES, numa partilha genuína do seu ser e do querer fazer mais, pelas mulheres, por Angola, pelo mundo.
Líderes

Eunice de Carvalho nasceu em 1973, na província do Huambo, estudou em Angola até ao 12º ano do ensino médio, no curso de Ciências Biológicas no Puniv Central de Luanda. E daqui, contou-nos, rumou para os Estados Unidos, estávamos em 1985, com o sonho de medicina na carteira, que acaba por  preterir pelas suas duas grandes paixões: política e história. O desejo pelo conhecimento nestas duas áreas culminam com duas licenciaturas,  uma em Ciências Políticas e outra em Estudos Internacionais, que, recordou, “foi uma grande surpresa para a família que ficou cá em Angola”. Preocupava-lhes o seu futuro. Eunice explicou que, “normalmente, nos EUA, quem estuda nestas áreas acaba por ir trabalhar na política e depois fazer Direito”.

Entrou, assim,  para a University of Iowa College of Law, onde terminou o doutoramento em Direito em 1995, o qual lhe deu a possibilidade de fazer um estágio no escritório de advogados Faegre & Benson LLP com sede nos Estado de Mineápolis, com representações em várias cidades norte-americanas e alguns países, nomeadamente China, Alemanha e Inglaterra.

Logo após a conclusão, recebeu uma oferta de trabalho num escritório de advogados na cidade de Minneapolis: “Quando concluí a licenciatura, não voltei porque sabia que queria fazer o doutoramento e depois disso idealizei que tinha bastante conhecimento teórico, mas quase nenhum prático”, justifica.

Para a Eunice, este período traduziu-se numa aprendizagem muito grande, que lhe abriu horizontes e lhe permitiu perceber que o mundo era maior do que imaginava antes de fazer a formação superior.

“Há sempre oportunidades, há mais coisas a fazer e quando estas oportunidades aparecem, temos que mergulhar nelas mesmo sendo desconhecidas”.

“Assim que me formei, fiz o exame para obter a minha licença e comecei a trabalhar num escritório de advogados maioritariamente com casos de propriedade intelectual, marcas registadas, patentes, direitos de autor, estive lá durante setes anos até me tornar partner” contou à FORBES.,

A advogada revelou ainda que após este período tomou a decisão de regressar a Angola para estar mais próxima da família que tinha deixado há 21 anos. Também porque concluiu que tinha adquirido experiência suficiente para contribuir para o desenvolvimento do país.Tinha como objectivo encontrar um emprego que a desafiasse do ponto de vista profissional, dado o nível de conhecimento que tinha adquirido no escritório de advogados.

Coincidentemente, acabou por ser contactada pela Chevron para liderar as áreas de relações internas, externas e comunicação institucional. Considerou  que era a empresa certa na altura, por ser uma multinacional ligada a um sector complexo e exigente, e, por outro lado, justificava o grau de trabalho comparado à dimensão da formação e experiência que tinha.

“Quando decidi voltar para Angola, não estava à procura de um sector em particular, escolhi a Chevron porque sabia que tipo de trabalho a empresa fazia cá, e as questões jurídicas e de negócios eram sofisticadas”, fundamenta.

Em 2011, quando a Chevron foi suspensa de operar no Brasil, por um período de dois anos, em virtude do derrame de mais de três mil barris de petróleo na Bacia de Campos, o qual levou ao afastamento do então presidente da companhia naquele país, Eunice de Carvalho foi indicada para liderar a operação de restruturação da petrolífera.

A sua nomeação foi feita com base numa vasta experiência que demonstrou ao longo de seis anos, enquanto membro do conselho da administração e responsável pelas áreas de comunicação interna e externa, responsabilidade corporativa e relações institucionais da Chevron Angola. “A companhia tinha perdido a sua licença para operar, o presidente, na altura, foi acusado criminalmente com mais 11 pessoas, por isso houve necessidade de ter alguém no Brasil que compreendesse o negócio, as relações governamentais, comunicação e relações públicas”, revela em entrevista à Forbes

A então presidente da Chevron Brasil fez um longo caminho, tendo usado todo o seu conhecimento em negociações. Durante esse período, foi recebida por dois ministros da Energia e Petróleos do Brasil e pela então presidente Dilma Rousseff. “Não estava à procura de ir para o Brasil, vivi 21 nos EUA e tinha estado em Angola apenas seis anos, e vim para ficar perto da minha família”, mas, de repente, “tinha esta oportunidade única para ir liderar o negócio da Chevron nesse país, e num momento desafiador, foi isso que me levou a aceitar”, acrescenta.

Esta experiência inédita, não apenas pelo tamanho do desafio, mas por se tratar de uma mulher a liderar um escritório com cerca de 300 homens, conduziu-a à recuperação da licença no Brasil, bem como à obtenção de resultados acima do planeado.

Isto num contexto onde “eu era a única mulher, negra e estrangeira, e com aquele desafio tremendo”, recorda.

Eunice de Carvalho foi também a primeira mulher a assumir o cargo de directora-geral para os Assuntos Corporativos da maior empresa privada de telecomunicações em Angola, a UNITEL, cargo que ocupava actualmente.

Deixa como seu principal legado um percurso profissional exímio, exemplo para todas as mulheres, angolanas e não angolanas, de que com dedicação, foco e generosidade, faz-se acontecer.

 

 

.

 

Mais Artigos